sábado, 26 de junho de 2010

XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM (27/06/2010)



Ano C; cor: verdeLeituras:


1Rs19,16b.19-21 = Eliseu levantou-se e seguiu Elias

Sl 15 = Ó Senhor, sois minha herança para sempre

Gl 5,1.13-18 = Fostes chamados para a liberdade

Lc 9,51-62 = Eu te seguirei para onde quer que fores

Diácono Milton Restivo
A liturgia de hoje coloca novamente em destaque, na sua primeira leitura, a vocação do profeta. Desta feita fala de Elias, o príncipe dos profetas do Antigo Testamento e Eliseu, seu discípulo. Todas as vezes que é lida e meditada uma passagem da Bíblia, principalmente do Antigo Testamento, há a necessidade de ser conhecida a situação do momento e da realidade que o personagem está vivendo e tudo o que à sua volta está acontecendo: a política, a religião, a economia, os costumes, a moral e tudo o mais que leva o personagem a tomar determinadas atitudes e posições a favor ou contra. É temerário buscar trazer os fatos de então para os dias atuais tais como eram e tentar compará-los com a realidade de hoje. Qual seria o pano de fundo da vivência do profeta Elias e, depois, de seu discípulo, Eliseu?  Elias foi o mais famoso e dramático dos profetas de Israel; é daqueles personagens da Bíblia de que nada ou quase nada se conhece antes do início do seu ministério. Nos dias de Elias o Reino do Norte, Israel, foi governado por reis maus, ímpios, injustos, cruéis e, acima de tudo, idólatras e que induziam o povo a se afastar de Yahweh, como aconteceu com os reis Amri, Acab, cuja mulher, Jezabel, havia jurado Elias de morte (cf 1Rs 19,1-3), Ocozias, Jorão. Na época desses reis Elias tentou reorganizar a sociedade, fortalecer a autoridade que vinha de Yahweh, combater a idolatria, aproximar o povo de Yahweh e acabar com a ganância por parte dos poderosos.

A Sagrada Escritura diz que o rei “Amri fez o que era mau aos olhos de Yahweh; e fez pior do que todos quantos foram antes dele” (1Rs 16,25-26). Quando Amri morreu, em seu lugar reinou seu filho Acab (1Rs 16,28), que teve a capacidade de fazer pior do que todos os reis que lhe antecederam: “Acab, filho de Amri, fez o que era mau aos olhos de Yahweh, mais do que todos os que foram antes dele…” (1Rs 16,30). O rei Acab destaca-se nas Escrituras como um rei idólatra, pois imitou as atitudes do rei Jeroboão, anterior a ele (1Rs 16,31); serviu e adorou a Baal, o deus dos idólatras (1Rs 16,31) e conduziu toda a nação israelita à idolatria. E, para piorar a situação, o rei Acab casou-se com Jezabel, filha do rei Etbaal, da Sidônia, nação pagã que adorava, como deus, o ídolo Baal. Esse casamento aconteceu para estabelecer laços políticos e militares entre os fenícios e Israel. Jezabel era uma mulher atraente, sedutora, com grandes qualidades de liderança e o pior, terrivelmente dominadora e destrutiva. Quando um homem, ainda que seja rei, de pouca força moral se une a uma mulher faminta de poder e conspiradora, o resultado não é bom. Tudo isto fez Israel mergulhar no mais profundo paganismo, sem nenhuma pretensão de preservar o culto a Yahweh, tornando-se uma nação idólatra e pagã como as demais nações suas vizinhas. Jezabel continuou a adorar a Baal e os deuses fenícios, e trouxe, para Israel o culto a esses deuses e deusas, mas não se limitou a isso, pois, frontalmente, combateu o Deus de Israel. Recorreu ao dinheiro do tesouro público para sustentar os quatrocentos e cincoenta profetas (ou sacerdotes) do deus Baal e os quatrocentos profetas da deusa Achera (deusa fenícia da fertilidade). O profeta Elias combateu ferrenhamente essa atitude da rainha culminando com a execução dos sacerdotes pagãos (cf 1Rs 18,30-40) o que atraiu sobre si a ira da rainha Jezabel que o jurou de morte: “Que os deuses me castiguem se amanhã, a esta hora, eu não tiver feito com você (Elias) o mesmo que você fez com os profetas”. (1Rs 19,2). O período de Elias foi de idolatria vivida, aprovada e incentivada pelos reis de Israel. Elias foi um campeão do monoteísmo de Yahweh. Foi ele quem manteve a fé em Yahweh entre o povo e quem lutou com vigor pelos seus direitos. Sua árdua luta contra todo sincretismo religioso fez deste profeta, que "surgiu como fogo e cuja palavra queimava como uma tocha", uma figura de primeira linha na relação dos profetas do Antigo Testamento. Mas, o personagem central desta leitura é o profeta Eliseu, discípulo e sucessor de Elias, que serviu ao seu povo, como profeta, por sessenta anos, tendo realizado grandes milagres, diferentes dos que quaisquer outros profetas realizaram, e o dobro dos realizados por seu grande mestre Elias. Eliseu era um lavrador, um agricultor, natural do vale do Jordão. Elias encontrou Eliseu no campo, arando a terra com outros onze lavradores, conduzindo, cada um, uma junta de bois, sendo que Eliseu conduzia a última junta de bois (cf 1Rs 19,19). O Encontro de Elias com Eliseu aconteceu exatamente quando Eliseu realizava essa tarefa. Simbolicamente, Elias lança seu manto sobre os ombros de Eliseu e, a partir daí, o agricultor torna-se seu discípulo e será seu sucessor. Eliseu respondeu prontamente a esse chamado que não deu margens para dúvidas ou incertezas e prontificou-se, de imediato, seguir seu mestre: “Deixa-me abraçar meu pai e minha mãe, depois te seguirei’. Elias respondeu: ‘Vai e volta; pois [sabes bem] que te fiz eu? ’. Eliseu afastou-se de Elias e, tomando a junta de bois, a imolou. Serviu-se da lenha do arado para cozinhar a carne e deu-a ao pessoal para comer. Depois levantou-se e seguiu Elias na qualidade de servo”. (1 Rs 19, 20-21).
Não é o profeta que escolhe ser profeta, nem o pastor que escolhe ser pastor, nem o presbítero que escolhe ser presbítero, nem o diácono que escolhe ser diácono, mas Deus é quem joga o seu manto, como fez Elias com Eliseu, nas costas do seu escolhido e o acolhe para o seu ministério: “Não foram vocês que me escolheram, mas fui eu que escolhi vocês. Eu os destinei para ir e dar frutos, e para que o fruto de vocês permaneça”. (Jo 15,16); “Foi ele quem estabeleceu alguns como apóstolos, outros como profetas, outros como evangelistas e outros como pastores e mestres. Assim, ele preparou os cristãos para o trabalho do ministério que constrói o Corpo de Cristo”. (Ef 4,11-12). Assim diz Paulo na sua exortação de despedida aos anciãos de Éfeso, ratificando e reforçando o dito acima: “Cuidai de vocês mesmos e de todo o rebanho, sobre o qual o Espírito Santo colocou vocês como guardas, para pastorear a Igreja de Deus, que ele adquiriu com o sangue de seu próprio Filho”. (At 20,28).
Elias encontrou o profeta escolhido por Deus no árduo trabalho de arar a terra. Igualmente, o ministério exige, sempre, árdua labuta. Jesus usava metáforas de trabalhos árduos para referir-se ao ministério: apascentar ovelhas, lançar mão no arado, pescar, cingir-se de madrugada, e tantos outros. Ao ser chamado por Elias para o ministério profético, Eliseu lhe disse: “Deixa-me primeiro ir beijar meu pai e minha mãe, depois te seguirei”. (1Rs 19,20). Mais tarde alguém que fora chamado por Jesus para seguí-lo, dirá: “Deixa-me primeiro ir enterrar o meu pai’, Jesus respondeu: ‘Deixe que os mortos enterrem seus mortos; mas você, vai anunciar o reino de Deus”. (Lc 9,59-60). Qual a diferença entre essas duas atitudes?  Eliseu aceitou de imediato o chamamento de Elias, apenas quis levar ao conhecimento de seus pais onde ele estava e qual caminho que iria seguir a partir de então, e isso de imediato, independente da vontade dos pais, porque a vontade de Yahweh sobrepunha-se à vontade de seus genitores. Aquele, porém, que fora chamado por Jesus para seguí-lo, não teve essa mesma iniciativa. Não está sendo dito no Evangelho que o pai do que estava sendo chamado para seguir Jesus estava morto, ou que estava doente, ou que morreria em breve; simplesmente o que fora chamado queria ficar com a família enquanto estivesse usufruindo dos bens do seu pai, e isso enquanto seu pai vivia. É como se tivesse dito: “Agora não vou lhe seguir porque estou vivendo uma vida estável com a minha família, com os meus negócios, e não posso jogar isso pela janela para abraçar uma causa que nem sei se dará futuro. Enquanto o meu pai, que é bem de vida, estiver vivo, deixe-me ficar com ele. Quando ele morrer, e eu perder a minha estabilidade, ai vou pensar...”. Eliseu, ao aceitar de imediato a imposição que lhe fora posta por Elias, e depois de se despedir de seus pais, “... tomou a junta de bois e os imolou. Com a madeira do arado e da canga assou a carne e deu de comer à sua gente. Depois, levantou-se, seguiu Elias e pôs-se a seu serviço”. (1Rs 19,21), isto é, o seu passado já não lhe pertencia mais e por isso, o que poderia ser aproveitado desse passado Eliseu fez um sacrifício e o ofertou aos seus companheiros de jornada, e depois, iniciou a vida para a qual fora chamado sem olhar para trás e sem sentir saudade desse passado. Esse é o exemplo da atitude dos escolhidos por Jesus Cristo para seguí-lo. Não foi assim que aconteceu, principalmente com os primeiros apóstolos ao responderem o chamamento de Jesus para o apostolado? “Jesus andava à beira do mar da Galiléia, quando viu dois irmãos: Simão, também chamado Pedro, e seu irmão André.  Estavam jogando a rede no mar, pois eram pescadores. Jesus disse para eles: ‘Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens’. Eles deixaram imediatamente as redes, e seguiram a Jesus. Indo mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago e João, filhos de Zebedeu. Estavam na barca com seu pai Zebedeu, consertando as redes. E Jesus os chamou. Eles deixaram imediatamente a barca e o pai e seguiram a Jesus”. (Mt 4,18-22; Mc 1,16-20). Mas, para o discípulo que vacila ao chamamento, Jesus sugere que ele permaneça morto com os mortos, considerando ter renunciado seguir Jesus, que é a vida: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. (Jo 14,6), embora faça mais uma tentativa: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas você vai anunciar o reino de Deus”. (Lc 9,60).
O gesto de Eliseu em queimar o arado e sacrificar os seus bois deveria ser a atitude de todos os discípulos de Jesus que aderem ao seu chamado: queimar as suas vaidades, o seu conforto, a sua suposta e ilusória estabilidade, o seu orgulho, a sua avareza e se livrar de tudo o que possa impedir esse companheirismo deleitante com Jesus. É o rompimento com o passado e com tudo aquilo que possa desviá-lo da responsabilidade assumida em seguir o Mestre. Por isso Jesus disse: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o reino de Deus.” (Lc 9,62). E mais: “Quem ama seu pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim. Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. Quem procura conservar a própria vida, vai perdê-la. E quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”. (Mt 1037-39). Jesus não está pedindo o impossível, ainda que pareça que ele seja desumano ao fazer essas declarações. Jesus estava apenas relembrando e chamando a atenção sobre o primeiro e o mais importante de todos os mandamentos: “Ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo o seu entendimento e com toda a sua força.” (Dt 6,4; Mc 12,30). Quem coloca em prática esse mandamento, ama os seus entes queridos com mais disponibilidade, mais responsabilidade e dedicação, porque foi Deus que nos deu nossos entes queridos. Os nossos entes queridos são os presentes que recebemos das mãos de Deus e, portanto, não se pode amar mais o presente do que aquele que no-los presenteou. Quem dá o presente é porque nos ama, e não podemos nos esquecer que Deus nos amou por primeiro: “Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou... [...] Deus é Amor: aquele que permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele. [...] Quanto a nós, amemo-nos, porque Deus nos amou primeiro”. (1Jo 4,10.16b.19). Essa deve ser a atitude do seguidor de Jesus e de quem ele chama para propagar o reino de Deus. Como Eliseu, os primeiros discípulos e quem mais for convocado para seguir Jesus por ele mesmo, deve entender que tem que haver disponibilidade para tanto.
O Evangelho desta liturgia começa dizendo que Jesus sentia que o tempo de terminar sua missão na terra estava se findando e, por isso, ele inicia a sua última viagem rumo à cidade de Jerusalém (cf Lc 9,51). Começa a longa caminhada, das periferias para a metrópole, onde está o centro de poder; da Galiléia para Jerusalém. O sentido da viagem é marcado pela idéia do fim da vida histórica de Jesus: “Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu” (Lc 9,51), o que compreende sua morte, ressurreição e ascensão ao Pai. É a viagem da libertação. De onde estava, para chegar à Jerusalém, tinha que passar por territórios dos samaritanos, que eram inimigos dos judeus. Os samaritanos negaram hospedagem a Jesus e à sua comitiva em um dos seus povoados. Os discípulos Tiago e João, os esquentados filhos de Zebedeu, se revoltam com essa atitude e queriam uma penalidade imediata contra os samaritanos: “Senhor, queres que mandemos descer fogo de céu para destruí-los?” (Lc 9,54), como se eles tivessem poder para isso, e isso dá a Jesus um motivo para ensinar sobre a paciência, e partiram para outro povoado (cf Lc 9, 52-56).
Para seguir a Jesus há a necessidade de saber que vai ter contratempos e estar preparado para enfrentar as contrariedades da caminhada. Nessa caminhada Jesus vai encontrando todas as espécies de pessoas que se propõe em seguí-lo, e alguém lhe diz: “Eu te seguirei para onde quer que fores”. (Lc 9,57). E Jesus lhe responde: “As raposas tem tocas, e os pássaros tem ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”. (Lc 9,58). Além da paciência que o discípulo de Jesus tem que ter, tem, também, que ter consciência que não terá uma vida cômoda, porque, se “O Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”, muito menos o terá quem o quiser seguir de verdade e, por isso, deverá se contentar com a hospitalidade que lhe for oferecida, como acontecia com o próprio Jesus que não se negava a tomar uma refeição ainda que fosse em companhia de pecadores (cf Mt 9,10-13), ou de pretensos “santos” (cf Lc 11,37).
Seguir a Jesus é muito arriscado. Não é garantido aos seus discípulos conforto e bem estar e, às vezes há a exigência do despojamento material. Outro vem, e diz: “Eu te seguirei, Senhor, mas deixa-me primeiro ir enterrar o meu pai”. (Lc 9,59). O seguimento de Cristo não pode ser adiado depois de termos ouvido o seu chamado. Quando Jesus convoca, não se pode colocar pretextos, ainda que sejam legítimos, para não seguí-lo, porque não somos insubstituíveis, porque: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o reino de Deus”. (Lc 9,62). 

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