sábado, 1 de janeiro de 2011

Epifania do Senhor

Ano A / Cor: branco / Leituras: Is 60,1-6; Sl 71(72),2.7-8.10-11; Ef 3,2-3a.5-6; Mt 2,1-12

Nós vimos a sua estrela no Oriente, e viemos para prestar-lhe homenagem” (Mt 2,2)

Diácono Milton Restivo
No segundo domingo depois do Natal a Igreja celebra a festa da Epifania do Senhor. Epifania, em grego, significa manifestação. Em várias ocasiões Jesus se manifesta e dá-se a conhecer a diferentes pessoas e de modos únicos. Embora Jesus tenha se manifestado em diversos momentos a diferentes pessoas, a Igreja celebra como epifanias três eventos: epifania aos magos (Mt 2,1-12); epifania a João Batista no  Jordão (Mt 3,13-15; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22; Jo 1,32-34), e a epifania a seus discípulos e começo de sua vida pública com o milagre em Caná (Jo 2,1-12). Podem ser entendidas, também, como epifanias, o anúncio dos anjos aos pastores e a visita deles a Jesus recém-nascido na manjedoura (Lc 1,8-20) e a transfiguração de Jesus a três dos seus discípulos. (Mt 17,1-8)

A primeira leitura desta liturgia evoca um dos trechos mais jubilosos do livro de Isaías, profetizando uma luz que brilhará sobre Jerusalém, o próprio Messias, e a visita de povos estrangeiros representados por altos mandatários ao “recém-nascido rei dos judeus”: “Levante-se, Jerusalém! Brilhe, pois chegou a sua luz, a glória de Yahweh brilha sobre você. [...] Sob a luz de você caminharão os povos, e os reis andarão ao brilho do seu esplendor. [...]... porque estarão trazendo para você os tesouros do além-mar, estarão chegando a vocês as riquezas das nações. Uma grande multidão de camelos a invade, camelos de Madiã e Efa; de Sabá vem todo mundo, ouro e incenso e o que trazem, e vêm anunciando os louvores de Yahweh.” (Is 60,1.3.5b-6)
O Salmo responsorial diz que o Messias vai “governar o seu povo com justiça e seus pobres conforme o direito” e faz uma previsão: “Que os reis de Tarsis e das ilhas lhe paguem tributos. Que os reis de Sabá e Seba lhe ofereçam seus dons. Que todos os reis se prostrem diante dele, e as nações o sirvam”. (Sl 71(72),2.8-10). Não foi isso que aconteceu na visita dos magos?
O Evangelho desta liturgia narra a segunda manifestação de Jesus, desta feita aos magos, homens sábios, vindos do Oriente e que haviam visto uma estrela diferente, que entenderam ser o prenúncio de um grande acontecimento, e a seguiram. Saíram de suas terras e vieram até onde estava o menino Jesus para adorá-lo: ”Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Porque nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.” (Mt 2,2)
Mais de mil anos antes do nascimento de Jesus o profeta Balaão já profetizara sobre essa estrela vista pelos magos: “Eu o verei, mas não agora; eu o contemplarei, mas não de perto; nascerá uma estrela de Jacó, levantar-se-á uma vara de Israel...” (Nm 24,17). O profeta Isaias, setecentos anos antes desses acontecimentos, com grande esplendor, também se manifesta e profetiza essa grande maravilha, a estrela de Belém, anunciando o nascimento do Messias: “recebe a luz, Jerusalém, porque chegou a tua luz, e a glória do Senhor nasceu sobre ti. Porque eis que as trevas cobrirão a terra, e a escuridão os povos; mas sobre ti nascerá o Senhor, a sua glória se verá em ti. As nações caminharão na tua luz, e os reis, ao resplendor de tua aurora.” (Is 60,1-3). E Isaias continua: “Então tu verás, estarás na abundância, o teu coração se espalhará e se dilatará fora de si mesmo, quando se voltarem para ti as riquezas do mar, e a fortaleza das nações vier ter contigo. Ver-te-ás inundada duma multidão de camelos, de dromedários de Madiã e de Efa; todos virão de Sabá, trazendo-te ouro e incenso, e publicando os louvores do Senhor.” (Is 60,5-6). E Isaias não se cala: “Estarão sempre abertas as tuas portas; elas não se fecharão nem de dia nem de noite, a fim que te seja trazida a riqueza das nações e te sejam conduzidos os seus reis.” (Is 60,11). E para que se cumprissem essas profecias, os magos, em terras longínquas, lá do Oriente, vêem uma estrela inusitada no céu que anunciava o nascimento de um grande rei e não tiveram dúvidas, se colocaram a caminho para irem de encontro ao acontecimento esperado desde o início dos tempos e adorarem o Rei dos Judeus, o Rei dos reis que havia nascido. As Sagradas Escrituras se omitem quanto ao número de magos: poderiam ser dois ou cinco ou mais; a tradição optou pelo número três, possivelmente pelo número dos presentes que foram dados ao “Rei dos Judeus recém-nascido”: ouro, incenso e mirra.  Nos escritos sagrados também não é citada a nobreza que a tradição atribui a esses magos. O Evangelista Mateus apenas se atém a chamá-los de “magos”, sem se preocupar quantos eram e o grau de importância que eles poderiam ter na sociedade ou nas terras de onde vieram. Nos sagrados escritos também é omitido o nome desses personagens, deixando-os no anonimato, mas, a partir do século VIII começaram a ser mencionados seus nomes, como sendo Melchior, Baltazar e Gaspar, sendo este último, negro, mas isso apenas nos é transmitido pela tradição. E assim o Evangelista Mateus nos narra a significativa visita dos magos a Jesus, após o seu nascimento: “Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos chegaram do Oriente a Jerusalém, dizendo: ‘Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Porque nos vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.’” (Mt 2,1-2)
O Messias nasceu na penúria em Belém, cidade e casa do rei Davi; nasceu para a salvação de Israel e glória de Judá. Belém quer dizer: “casa do pão”, e ali nasceu “o pão da vida [...] o pão vivo que desceu do céu”. (Jo 6,35.41.51). Mas nem Israel e nem Judá deram importância a esse acontecimento maravilhoso que fora predito, cantado e esperado por todos os profetas do Antigo Testamento.  Somente os pobres e humildes pastores vieram até ele, convidados que foram pelos anjos (Lc 2,8-13). Somente os pobres, humildes e oprimidos pastores chegaram até Jesus para adorá-lo no seu berço improvisado colocado num curral de animais. Ninguém mais... Israel, Judá, ou a cidade de Belém e de Jerusalém não se importaram e nem se alegraram com o nascimento do Salvador. A salvação que ele veio trazer a todos os homens é oferecida a todos, mas somente é bem recebida aos que a procuram com o coração puro e sincero.
Quanto tempo depois de seu nascimento é que surgiram os magos? Não sabemos. Ninguém sabe, porque os Evangelhos não o citam. Pelos fatos que se seguiram, e pelas atitudes de Herodes, possivelmente, o menino Jesus estive com aproximadamente dois anos de idade. Não vamos nos ater a isso; o importante é que, uma estrela diferente de todas as conhecidas até então, brilha no firmamento; uma estrela que já fora preconizada e antevista pelos profetas antes de Cristo. Todo o povo de Israel e todos aqueles que se diziam conhecedores das Sagradas Escrituras conheciam essas profecias e sabiam que, quando nascesse o Messias, o Salvador aguardado, alguma coisa de diferente aconteceria nos céus, pois os profetas Balaão e Isaias já haviam alertado sobre esse fenômeno, mas ninguém se importou com isso. Alguns estrangeiros, os magos, a viram lá de longe, de muito longe de suas terras e sabiam que essa estrela tinha um significado todo especial e se propuseram a seguí-la, fosse para onde fosse, não se importando com a distância e nem com os contratempos que isso fosse acarretar. E essa estrela conduziu os magos até a cidade de Belém. Quando eles saíram de suas terras, qual o percurso que fizeram e quanto tempo caminharam? Não sabemos. O que sabemos é que os magos concluíram, através de seus estudos e meditações, que aquela estrela era o prenúncio de um grande acontecimento e que os céus abriram suas portas e a salvação havia chegado, e que o menino recém-nascido era o “Rei dos Judeus”, que nem os próprios judeus tinham conhecimento que havia nascido; o maior de todos os reis da terra e de todos os tempos, o Rei dos reis e, talvez por isso, passaram primeiro no palácio do rei Herodes porque, imaginavam, um grande rei só poderia ter nascido num palácio real, e esta foi a primeira grande contradição que Jesus trouxe aos homens; ele, o Rei dos reis não nasceu em palácio mas em um humilde abrigo de animais à beira da estrada e na entrada da cidade. Ao chegarem a Jerusalém, perguntaram: “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Porque nós vimos a sua estrela no Oriente, e viemos adorá-lo.” (Mt 2,2)
A chegada dos magos em Jerusalém com seu séquito provocou um grande alvoroço na cidade e na corte real. O rei Herodes ficou surpreso e, “ao ouvir isso, o rei Herodes turbou-se, e toda a Jerusalém com ele.” (Mt 2,3). O rei Herodes, além de perturbado e surpreso, ficou também alarmado: como poderia ter nascido o rei dos judeus, se os judeus só tinham um rei que era ele próprio? E a cidade de Jerusalém também ficou alarmada, porque conhecia o rei que tinha, que não pensaria duas vezes para provocar uma carnificina para afastar o perigo de seu trono ser tomado por um outro rei. Herodes sentiu-se ameaçado no seu poder e o seu trono estava ameaçado de ser usurpado por um inocente menino recém-nascido. Como isso poderia ter acontecido se ele, Herodes, o rei dos judeus, não havia sido notificado a respeito? Herodes pressentiu seu trono ameaçado e abalado e isso Maria, a mãe de Jesus já havia prenunciado e cantado quando de sua visita à sua parenta Isabel: “Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso; depôs poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.” (Lc 1,51-52)
Herodes era um homem sanguinário; não hesitaria exterminar quem quer que fosse para preservar o seu trono; prova disso é que já havia mandado matar vários de seus palacianos, algumas esposas e até filhos seus. Então, Herodes “convocando todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Messias. E eles disseram: “Em Belém de Judá, porque assim foi escrito pelo profeta (Mq 5,l): “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe, que apascentará Israel, meu povo.” (Mt 2,4-6). Diante da notícia trazida pelos magos e de sua pergunta: “onde havia de nascer o Messias?”, Herodes, a princípio, fingiu humildade, submissão e alegria e muita fé e procurou tirar proveito daquela situação diante dos estrangeiros, mandando chamar secretamente os magos para que lhe informassem onde pudesse localizar esse “pretenso rei” para que ele também fosse prestar-lhe homenagens, mas a sua intenção era outra: “Então Herodes, tendo chamado secretamente os magos, inquiriu deles cuidadosamente acerca do tempo em que lhes tinha aparecido a estrela; e, enviando-os a Belém, disse: ‘Vão e informem-se bem acerca do menino, e, quando vocês o encontrarem, comuniquem-me, a fim de que eu o vá adorar.” (Mt 2,7-8). E os magos partiram de Jerusalém à busca do “rei dos judeus”; “... e eis que a estrela que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até que, chegando sobre o lugar onde estava o menino, (a estrela) parou. Vendo novamente a estrela, ficaram possuídos de grande alegria. E, entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se, o adoraram.”  (Mt 2,7-11).
Onde encontraram o menino não era um palácio, como certamente esperavam, mas nem por isso se decepcionaram; prostraram-se e adoraram o menino no colo de sua mãe. Por não ser um palácio, como esperavam, a fé e esperança deles não vacilaram e nem diminuíram um só pouquinho. Por inspiração divina sabiam que se encontravam na presença daquele que, nascido de mulher (cf Gl 4,4) e na mais extrema pobreza e desamparo, era o Rei, não só dos judeus, mas do Universo. Entraram na casa e ali encontraram o menino com Maria, sua mãe e, tomados do mais profundo respeito e veneração , se prostraram por terra e adoraram o menino, reconhecendo nele Deus e Salvador do mundo. Com quem estava o menino? “Com Maria, sua mãe”.
O primeiro trono do Rei dos reis é o colo de sua mãe, e o Rei dos reis deve ser adorado no seu trono que é o símbolo da sua dignidade, e o trono do rei é inviolável porque, se for violado, depõe contra a majestade do rei e quem o difamar está sujeito a penalidades. Maria, a mãe do Rei dos reis é o trono por excelência do Rei Messias, Salvador do mundo, adorado pelos magos. E os magos, “entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se, o adoraram.” (Mt 2,11), realizando assim as profecias de Isaias que, inspirado por Iahweh, disse e escreveu: “Os reis serão os que te alimentarão, e as rainhas as tuas amas; com o rosto inclinado até a terra te adorarão e lamberão o pó de teus pés. E saberás que eu sou o Senhor, e que não serão confundidos os que esperam em mim.” (Is 49,23), e “As nações caminharão à tua luz, e os reis, ao resplendor da tua aurora.” (Is 60,3).
E os magos, “abrindo seus tesouros, lhe ofereceram presentes de ouro, incenso e mirra.” (Mt 2,11). Isaias preconizara: “Então tu verás, estarás na abundância, o teu coração se espantará e se dilatará fora de si mesmo, quando se voltarem para ti as riquezas do mar, e a fortaleza das nações vier ter contigo. Ver-te-ás inundada duma multidão de camelos, de dromedários e de Efa; todos virão de Sabá trazendo-te ouro e incenso, e publicando os louvores do Senhor.” (Is 60,5-6).
O rei Davi, o grande rei, guerreiro e profeta, cantor e salmista, também inspirado pelo Espírito do Senhor, profetizou: “Os reis de Tarsis e as ilhas lhe oferecerão dons; os reis da Arábia e de Sabá lhe trarão presentes; e adorá-lo-ão todos os reis da terra, todas as nações o servirão, porque livrará o pobre do poderoso, e o indigente que não tem quem lhe valha.” (Sl 72 (71),10-13).
Os magos, depois de se inclinarem por terra e adorarem o menino no colo de sua mãe, ofereceram-lhe ouro, incenso e mirra. Esses presentes retratam um simbolismo todo especial: o ouro é o símbolo dos reis, da majestade, do poder, da riqueza e glorifica a realeza divina de Jesus Cristo com um símbolo material; presenteando ao Senhor Jesus com ouro os magos reconhecem em Jesus o Rei dos reis, o Imperador de todas as nações. O incenso é a homenagem e o reconhecimento da onipotência do Senhor Jesus. Através do ouro reconheceram em Jesus ”o homem”, a sua humanidade e através do incenso reconheceram a sua natureza divina, o Filho do Pai Eterno, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
A mirra é uma planta do oriente de onde se extrai uma goma aromática que os antigos usavam para embalsamar os corpos de seus entes queridos falecidos; a mirra foi, portanto, um preito àquele que “Foi oferecido em sacrifício, porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; como uma ovelha que é levada ao matadouro, como um cordeiro diante do que o tosquia, guardou silêncio e não abriu  sequer a boca.” (Is 53,7). “Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas, ele mesmo carregou as nossas dores; nós o reputamos como um leproso, como um homem ferido por Deus e humilhado. Mas foi ferido por causa das nossas iniquidades, foi despedaçado por causa dos nossos crimes; o castigo que nos devia trazer a paz caiu sobre ele, e nós fomos sarados com as suas pisaduras. Todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada um se extraviou por seu caminho; e o Senhor carregou sobre ele a iniquidade de todos nós.” (Is 53,4-6) A mirra foi um preito ao “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), à Vítima que seria imolada, carregando no seu sacrifício supremo todos os pecados do gênero humano. O ouro, o incenso e a mirra são o símbolo do amor, da oração e da morte.
A estrela que brilhou e levou os magos até onde estava o Menino Deus continua brilhando para nós, ainda hoje, e para todo o sempre; essa estrela é a nossa consciência que, cada vez que praticamos o bem e respeitamos o próximo, nos leva até Jesus e, ao contrário, quando descumprimos os mandamentos do Senhor ela se apaga e desaparece... Os magos são para nós o maior exemplo de fé e perseverança. Não sabemos exatamente de onde vieram os magos, mas de uma coisa temos certeza: eles vieram de muito longe, de tão longe que o Senhor Nosso Deus os equipou de um guia especial: uma estrela diferente brilhando no firmamento para orientá-los nessa longa jornada e conduzi-los e orientá-los até onde estava o Messias, e eles tinham certeza que, seguindo aquela estrela encontrariam o Rei dos Reis, a Salvação. Não desistiram. Não sabemos por quanto tempo, mas caminharam até encontrar o “Rei dos judeus” anunciado em todo o Antigo Testamento. Tiveram fé, acreditaram e encontraram a Salvação.     Não se intimidaram com o sanguinário Herodes: “E, avisados por Deus em sonhos para não tornarem a Herodes, voltaram por outro caminho para a sua terra.” (Mt 2,12). A atitude de rancor, histeria e ímpeto sanguinário de Herodes ao se ver ludibriado pelos magos, tomamos conhecimento por Mateus: “Então Herodes, vendo que tinha sido enganado pelos magos, irou-se em extremo, e mandou matar todos os meninos, que haviam em Belém, e em todos os seus arredores, da idade de dois anos para baixo, segundo a data  que tinha averiguado dos magos.” (Mt 2,16), isso numa tentativa extremamente criminosa e desesperada de que, no meio dos meninos com menos de dois anos de idade que fossem sacrificados em Belém e na redondeza, à espada, estivesse também o “Rei dos Judeus recém-nascido”. Tristemente mais uma profecia é cumprida: “Isto diz o Senhor: foram ouvidas no alto vozes de lamentação, de pranto e de choro, são de Raquel, que chora os seus filhos e não quer ser consolada acerca deles, porque já não existem.” (Jr 31,15). Que triste ironia: os magos vêm de longe para adorarem e proclamarem o nascimento do Messias e partem, deixando atrás de si um rastro de sangue inocente, desolação, morte e desespero provocado pela ganância, sede de poder e autoritarismo de um débil mental que não mediu consequências para se manter no poder...
Nesse episódio todo da visita dos magos ao menino Jesus temos a segunda manifestação do Senhor Jesus à humanidade, e todas as duas de maneira maravilhosa: a primeira, quando nasceu, Anjos descem dos céus e anunciam aos pastores o nascimento do Senhor, se manifestando assim em primeiro lugar ao povo judeu que, naquela oportunidade, eram representados pelos pastores.
A sua segunda manifestação, de maneira não menos maravilhosa, se deu tendo uma estrela servindo de guia aos magos que vieram de regiões longínquas e, desta feita, o Senhor se manifesta ao mundo todo nas pessoas dos magos que eram estrangeiros, vieram de longe, do Oriente, de outras nações.
Em todos esses fatos que se seguiram ao nascimento do Senhor Jesus muitas coisas nos chamam a atenção: a cidade de Belém cheia de pessoas e não sendo possível a José e Maria encontrarem um lugar para eles em pensões, hotéis, hospedarias ou mesmo em casas particulares de gente hospitaleira e de boa vontade, vendo-se obrigados a se recolherem num abrigo de animais (Lc 2,7); os pastores que cuidavam de seus rebanhos ali nas proximidades; os anjos que anunciam aos pastores o nascimento do Senhor (Lc 2,8-15); os magos que vem de longe, do Oriente, para adorarem o “recém-nascido Rei dos Judeus” (Mt 2,1-12).
Mas, outras coisas nos passam despercebidas e até julgamos que servem apenas para enfeitar a narrativa dos Evangelistas, tornando-as até românticas e, na maioria das vezes, não nos preocupamos em parar para refletir os seus verdadeiros significados. Na passagem, por exemplo, dos magos do Oriente que vieram adorar o Menino Deus, nos deparamos com uma estrela: “... nós vimos a sua estrela no oriente...” (Mt 2,2), e essa estrela para nós, à primeira vista, não passa de uma coisa romântica e poética, que serve apenas para deixar a narrativa mais bonita, mais emocionante. Os magos deixaram a sua terra, saíram de seus países porque viram uma estrela diferente que lhes chamou a atenção e, através de seus estudos sabiam que aquela estrela indicava que a Boa Nova prometida aos homens em todo o Antigo Testamento e desde a criação do mundo havia chegado, e a estrela, luzindo no firmamento, os convidava para irem ao seu encontro.  E eles partiram de onde estavam à busca dessa Boa Nova.
A estrela de Belém tem um papel preponderante no contexto evangélico. Mateus cita essa estrela que permaneceu cintilante até o encontro dos magos com o Menino e não mais se referencia a ela na volta dos magos para as suas pátrias. Quando encontram o Menino com sua mãe a estrela simplesmente desaparece porque já havia cumprido a sua missão: a de levar até Jesus Cristo homens sedentos da verdade, ansiosos da Boa Nova e com os corações cheios de fé e, depois desse encontro, preocupados em mudar de vida e de mentalidade. Essa estrela é o símbolo do cristão autêntico. A estrela, simplesmente, trouxe os magos até onde estava Jesus. Essa foi a sua função. Os cristãos têm por função fundamental a de levar todos os homens até onde está Jesus e apresentá-los a ele, e depois, sair de cena... Essa é a função do cristão, a exemplo de João Batista: “Esta é a minha alegria, e ela é muito grande. É preciso que ele cresça e eu diminua”. (Jo 3,29b-30).
A estrela brilhou na escuridão e se destacou dentre todas as demais que haviam no céu e jamais se perdeu em qualquer constelação mas sempre se manteve em evidência para que os magos não a perdessem de vista em hipótese alguma. Assim também deve ser o cristão: brilhar na escuridão do mundo e ser refratário ao pecado, sem se contaminar; se destacar entre todos os homens porque o cristão é alguém diferente, é alguém escolhido para viver uma vida nova, única e diferente. O cristão não pode deixar se perder no emaranhado das idéias errôneas e doutrinas falsas que tentam levar os homens para caminhos diferentes daqueles que conduzem até Belém, onde está Jesus.             
O cristão, como a estrela de Belém, deve sempre se manter em evidência, viver uma vida diferente daquela que os homens do mundo levam; uma vida de testemunho de quem acredita que aquele que nasceu num curral de animais é verdadeiramente “o Cordeiro de Deus” (Jo 1,36), “o Filho de Deus que se fez homem para que todos os homens se tornassem filhos de Deus”, como disse Agostinho de Hipona. O cristão, como a estrela de Belém, não é um anônimo no meio da multidão, mas alguém que brilha na escuridão para indicar a todos os homens de boa vontade o caminho que leva até Jesus Cristo. O cristão, como a estrela de Belém, tem a função de levar todos os homens a adorarem Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, nascido de uma virgem por obra e poder do Espírito Santo (Lc 1,31). O brilho do cristão deve ser o seu modo de vida porque é vivendo como verdadeiros seguidores de Jesus Cristo que se destaca no meio de todos os homens e, através desse brilho que vem do alto todos os homens possam vê-lo e identificá-lo no meio da multidão e da escuridão do mundo, e possam seguí-lo pelo “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14,6) que é Jesus Cristo.
Os magos, ao adorarem o Menino Deus, fizeram ver ao mundo que a estrela havia cumprido a sua missão e, a partir daquele momento desaparecido de cena. O cristão, como a estrela de Belém, depois de conduzir todos à presença do Divino Mestre, deve também sair de cena para que somente apareça Jesus Cristo e somente Jesus Cristo seja colocado em evidência na vida de todos os homens, como fez João Batista ao apontar a dois de seus discípulos Jesus que passava: “No outro dia João lá estava novamente com dois de seus discípulos e, vendo Jesus que ia passando, disse: Eis o Cordeiro de Deus. Ouvindo as suas palavras, os dois discípulos seguiram Jesus.” (Jo 1,35-36). Os dois discípulos, apresentados a Jesus por João, seguiram a Jesus e, a partir daí, João Batista saiu de cena, como aconteceu com a estrela de Belém e como deve ser todos os cristãos autênticos: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30)

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