Ano A / cor: verde / Leituras: Ez 33,7-9; Sl
94 (95); Rm 13,8-10; Mt 18,15-20
“Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20)
Diácono Milton Restivo
As leituras deste domingo nos chamam
a atenção para a correção fraterna e sobre a responsabilidade que todos temos
que ter uns pelos outros para não permitir que ninguém se afaste do bom
caminho. Não somos perfeitos, cometemos faltas e nem sempre somos dignos de nos
aproximar da mesa da Palavra ou da mesa da Eucaristia, alimentos que o Pai,
generosamente, nos oferece. A maneira que Deus nos indica para corrigir os que
erram é através dos próprios cristãos, uns corrigindo aos outros. Isso já é
visto na primeira leitura com o profeta Ezequiel transmitindo a palavra de
Yahweh, orientando para que o profeta seja fiel como vigia dos mandamentos do
Senhor na casa de Israel. E o que foi dito para Ezequiel, não foi só para ele
que tenha sido dito, mas para todos aqueles a quem o Senhor escolheu para
seguir o caminho que leva até ele. Yahweh determina a Ezequiel que chame a
atenção daquele que está no caminho errado e diz que vai pedir contas a Ezequiel
se ele for omisso a esse respeito: “Se eu disser ao ímpio que ele vai
morrer, e você não lhe falar, advertindo-o a respeito de sua conduta, o ímpio
vai morrer por sua própria culpa, mas eu pedirei a você contas da sua morte”. (Ez 33,8)
Os antigos gregos se inspiraram
num provérbio, que ficou conhecido assim: “Três tipos de pessoas pagarão
caro perante o Tribunal do Altíssimo: os que não sabem e não perguntam; os que
sabem e não ensinam; e os que ensinam e não praticam”
Deus comunica ao profeta Ezequiel a responsabilidade de apontar os
pecados e injustiças cometidas pelo povo. Se o povo não se converter, perecerá,
enquanto o profeta, que lhe chamou a atenção, salvará sua vida. O
mal está presente no meio do povo e como a sentinela devia estar alerta para que a comunidade não fosse surpreendida
quando atacada pelo inimigo, também, cada um deverá ser profeta de Deus para gritar
alerta quando se apercebe que alguém corre risco de se perder e se distanciar
do bom caminho.
Paulo Apóstolo chamava a atenção das suas comunidades a esse respeito: “Irmãos,
se alguém for apanhado em alguma falta, cabe a vocês, que são espirituais,
corrigir com mansidão essa pessoa. E que cada um se cuide para não ser tentado
também.”(Gl 6,1) O Senhor ensina-nos, através de Paulo, a estratégia que
devemos seguir para cumprir a correção fraterna como expressão de verdadeiro
amor ao próximo.
O profeta Isaias demontra toda a paciência e misericórdia de Deus em
relação ao pecador e diz que o seu enviado “não quebrará a cana que está
rachada, nem apagará o pavio que está para se apagar” (Is 42,3), citação
repetida por Jesus em Mateus 12,20. Deus é paciente e misericordioso e não
elimina a cana que está rachada e nem apressa-se em abafar o pavio que apagou, que
perdeu a luz e que apenas fumega, mas dá a oportunidade de o pecador se redimir
com o auxílio de seus irmãos. A caridade fraterna é altamente exigente.
É preciso, não somente saber perdoar, mas também reconduzir a pessoa ao caminho
do bem e da verdade.
Quando lemos o Evangelho de
Mateus temos que considerar que esse Evangelho foi escrito para os discípulos oriundos
do judaísmo e que aprenderam, viveram e levavam a sério a Lei de Moisés, que
dizia: “Contudo, se houver dano grave, então pagará vida por vida, olho por
olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida,
golpe por golpe.” (Ex 21,23-25), e ainda mais: “Se alguém ferir o seu
próximo, deverá ser feito para ele aquilo que ele fez para o outro: fratura por
fratura, olho por olho, dente por dente. A pessoa sofrerá o mesmo dano que
tiver causado a outro.” (Lv 24,19-20), e ainda mais: “Não tenha piedade:
vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé.” (Dt
19,21), muito embora tente amenizar, quando diz: “Não guarde ódio contra o
seu irmão. Repreenda abertamente o seu concidadão, e assim você não carregará o
pecado dele. Não seja vingativo, nem guarde rancor contra seus cidadãos. Ame o
seu próximo como a si mesmo”. (Lv 19,17-18). Isto fica claro na leitura do
Evangelho deste domingo onde Mateus coloca na boca de Jesus, agora dito com a
autoridade de quem falou para Ezequiel, a mesma admoestação feita ao povo do
Antigo Testamento com relação à correção fraterna.
Todos os judeus convertidos ao
cristianismo conheciam essa passagem de Ezequiel como também as passagens da
Lei de Moisés e a levavam a sério, portanto, Mateus não deixa passar despercebida
a admoestação de Jesus reforçando, agora com a autoridade de quem havia dito
isso no Antigo Testamento, que a admoestação feita a Ezequiel também se
enquadra na formação dos seus discípulos. Mas, precisamos considerar que Jesus
não despreza a Lei do Antigo Testamento, como ele mesmo diz: “Não pensem que
eu vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir a Lei, mas dar-lhe pleno
cumprimento.” (Mt 5,15), e o cumprimento pleno da Lei é o novo mandamento
que ele dá aos seus discípulos, o mandamento do amor: “Eu dou a vocês um
mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem
se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns pelos outros, todos
reconhecerão que vocês são meus discípulos.” (Jo 13,34-35) É sob a ótica do
mandamento do amor que precisamos entender o que Mateus escreve no seu
Evangelho.
Para Mateus, a prática do perdão
na comunidade acontece em três etapas: a primeira etapa acontece entre os dois
irmãos envolvidos: “Se o seu irmão pecar contra você, vá e mostre o erro a
ele, mas em particular, entre vocês dois”. (Mt 18,15). Caso isso não tenha
surtido efeito e o irmão continuar no seu pecado, vem a segunda etapa: a
continuação do diálogo envolvendo mais uma ou duas pessoas: “Se ele não lhe
der ouvidos, tome com você mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão
seja decidida sob a palavra de duas ou três testemunhas.” (Mt 18,16) Se
isso ainda não houver surtido efeito, vem a terceira etapa: levar ao
conhecimento da Igreja, da comunidade, isto é, dos líderes da comunidade: “Caso
ele não dê ouvidos, comunique à Igreja.” (Mt 18,17a) E ai Jesus complementa
com o rigor da lei do Antigo Testamento: “Se nem mesmo à Igreja ele der
ouvidos, seja tratado como um pagão ou um cobrador de impostos.” (Mt
18,17b). Para quem o mandamento do amor era um novo mandamento, o mandamento
por excelência: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros.
Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros.” (Jo 13,34),
Mateus mostra um Jesus radical, com atitude até discriminatória: “Se nem
mesmo à Igreja ele der ouvidos, seja tratado como um pagão ou um cobrador de
impostos.” (Mt 18,17b), considerando que Jesus havia dito que viera salvar
o que estava perdido: “De fato, o Filho do Homem veio procurar e salvar o
que estava perdido.” (Mt 18,11; Lc 19,10)
Realmente, é estranha essa
afirmativa, considerando que o empenho de Jesus era conviver com os publicanos
e cobradores de impostos, tidos como pecadores públicos, com fizera com o
próprio Mateus (Mt 9,9-13; Mc 2,13-18; Lc 5,29-32), e com Zaqueu (Lc 19,1-10), com
a adúltera (Jo 8,1-11) e com os que eram considerados pagãos pelos judeus, como
os samaritanos (Jo 4,1-42), todos tidos como pecadores. E o que choca é que o
próprio Mateus, que era coletor de impostos, tenha sido o autor desse texto. Na
sequência dessa conversa de Jesus, que será a leitura do próximo domingo, Pedro
pergunta a Jesus: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar
contra mim? Até sete vezes’? Jesus respondeu: ‘Não lhe digo que até sete vezes,
mas até setenta vezes sete’.” (Mt 18,21-22) Lucas, no seu Evangelho,
reforça essa afirmativa de Jesus: “Prestem atenção: Se o seu irmão peca
contra você, chama a atenção dele. Se ele se arrepender, perdoe. Se ele pecar
contra você sete vezes sete vezes num só dia, e sete vezes vier a você,
dizendo: ‘Estou arrependido’, você deve perdoá-lo.” (Lc 17,3-4) Haveria
uma contradição sendo que momentos antes Jesus dissera que quem pecara contra o
irmão e se se mantivesse no pecado, deveria ser desligado da comunidade, e
agora ele diz que o perdão não tem limites?
Na segunda leitura desta liturgia
Paulo Apóstolo diz: “O amor não faz nenhum mal contra o próximo. Portanto, o
amor é o cumprimento perfeito da lei.” (Rm 13,10)
A missão da Igreja e dos cristãos
não termina com a exclusão do pecador e sim a missão deve ser continuada à sua
busca, procurando-o como o pastor que sai à busca da ovelha perdida, dito pelo
próprio Jesus: “Se um homem tem cem ovelhas, e uma delas se perde, será que
ele não vai deixar as noventa e nove nas montanhas, para procurar aquela que se
perdeu? Eu garanto a vocês: quando ele a encontra, fica muito mais feliz com
ela, do que com as noventa e nove que não se perderam.” (Mt 18,12-13), e
ainda mais: “Haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte,
do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão.! (Lc 15,7).
Temos que entender que não existe
comunidade sem diversidade, sem divergência, sem desentendimentos e,
infelizmente, sem fofocas. Existem sempre as fofoqueiras e fofoqueiros de
plantão. O fato de sermos “irmãos”, não nos isenta da possibilidade de
enfrentarmos divergências nos relacionamentos da família da fé, pois a
irmandade não elimina a nossa individualidade: temos diferenças de criação, formação,
visão, doutrina, teologia, liturgia, estratégia e outras que, sem desejarmos,
colocam-nos na situação, ora de ofendidos por algum de nossos irmãos, ora de
ofensores contra o irmão. Não podemos nos esquecer que todo pecado é uma doença dentro da comunidade
que necessita ser tratada com urgência e de maneira ágil e positiva.
Se o pecado é uma doença, o irmão faltoso
está doente, e não podemos deixar o doente entregue ao seu próprio destino. Deus,
na sua misericórdia e sabedoria, faz com que o ofendido seja o terapeuta, o
médico para quem o ofendeu, e a missão de Jesus foi exatamente essa: buscar os
doentes: “As pessoas que em saúde não precisam de médico, mas só as que
estão doentes... Porque eu não vim para chamar justos, e sim pecadores.” (Mt
9,12-13) Cada situação que demonstra que um irmão de forma
definida peca contra nós, é na verdade uma convocação feita por Deus para que,
em amor, por amor e com amor, responsabilizemos-nos pelo tratamento do irmão
que nos ofendeu.
É urgente que a comunidade esteja
sempre ligada a Jesus pelo fato de, na comunidade, existir tensões entre os
diversos grupos e problemas de convivência: há irmãos que se julgam superiores
aos outros e que querem ocupar os primeiros lugares; há irmãos que tomam
atitudes prepotentes e que escandalizam os pobres e os débeis; há irmãos que
magoam e ofendem outros membros da comunidade; há irmãos que têm dificuldade em
perdoar as falhas e os erros dos outros; há irmãos que, através da fofoca,
denigrem a vida dos outros. Somente estando em permanente sintonia com Jesus,
que nos convida à simplicidade e humildade, ao acolhimento dos pequenos, dos
pobres e dos excluídos, ao perdão e ao amor que conseguiremos vencer. Aliás,
com Jesus e pela força da oração tudo pode ser mudado. Só assim seremos uma
comunidade verdadeiramente família de irmãos, que vive em harmonia, que dá
atenção aos pequenos e aos fracos, que escuta os apelos e os conselhos do Pai e
que vive no amor do Filho, animada pelo Espírito Santo.
Antes de condenar ou excluir
alguém, é preciso aprender a justiça do Reino. E ter consciência de que os
passos aconselhados por Jesus não são normas rígidas, e sim um modo de agir que
tempera com justiça as relações entre pessoas. Em outras palavras, é preciso
ser criativo no esforço de recuperar quem erra e se afasta da comunidade. E o
espírito que anima essa tarefa não é o da exclusão, mas o da busca para
reintegrar, como o pastor que busca a ovelha desgarrada.
O que precisa haver é a necessidade
de ter muito cuidado de sabermos que os nossos julgamentos para com os nossos
irmãos nem sempre são objetivos. Somos influenciados por muitos fatores
externos como a simpatia, a antipatia, a apatia, o estado emocional do momento
e a falta de informação sobre o contexto dos acontecimentos. É por isso que
Jesus diz: “Se ele não lhe der ouvidos, tome com você mais uma ou duas
pessoas, para que toda a questão seja decidida sob a palavra de duas ou três
testemunhas.” (Mt 18,16) Nessa afirmativa, Jesus evoca a Lei de Moisés, que
dizia: “Uma só testemunha não é suficiente contra alguém, seja qual for o
caso do crime ou pecado. Em todo pecado que alguém tiver cometido, o processo
será aberto pelo depoimento pessoal de duas ou três testemunhas.” (Dt
19,15) Para alguém ser julgado publicamente, havia a necessidade de duas ou
três testemunhas. Por isso há a necessidade da humildade e busca da verdade, tendo
o cuidado de consultar outras pessoas que tenham a cabeça fresca e possam dar a
sua opinião isenta dos fatores externos e é por isso que Jesus complementa,
dizendo: “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no
meio deles.” (Mt 18,20)
Com Jesus presente entre os
irmãos que buscam reintegrar o irmão faltoso, tudo será melhor direcionado.
Entre dois ou três haverá um diálogo através do qual a pessoa que cometeu a
falta tem a oportunidade e direito de fazer a sua defesa, mas, em hipótese
alguma, o faltoso deve ser ignorado ou discriminado, porque “Se um homem tem
cem ovelhas, e uma delas se perde, será que ele não vai deixar as noventa e
nove nas montanhas, para procurar aquela que se perdeu?” (Mt 18,12) Isso
deixa claro que, para com as pessoas que persistem no erro, Jesus não quer que
cruzemos os braços. Por isso foi que Jesus morreu de pé e de braços abertos
para que nós não fiquemos sentados e de braços cruzados. São ovelhas
desgarradas que nós devemos sempre procurar meios para tentar trazê-las de
volta ao rebanho.
O nosso grande pecado é que, em
relação à correção fraterna, sempre invertemos a ordem das coisas: ao invés de
antes procurarmos o faltoso para conversar, começamos por contar o fato para os
outros antes mesmo de falar com a pessoa que errou, e ai os comentários
desairosos e as fofocas - e como existem fofocas nas nossas comunidades - que
se alastram e se multiplicam em detrimento à pessoa que deveria ser reintegrada
na comunidade, nos esquecendo daquilo que Jesus já alertara: “Não julguem, e
vocês não serão julgados; não condenem e não serão condenados; perdoem e serão
perdoados. [...] Porque a mesma medida que vocês usarem para os outros,
será usada para vocês.” (Lc 6,37.38b)
Ao corrigir alguém, devemos ser
humildes, expressando os nossos sentimentos, de tal modo que a pessoa perceba
que estamos querendo somente o bem dela, e nada mais além disso. Fazendo assim,
a pessoa não se sente humilhada e vai até nos agradecer porque: “Quem ama a
correção ama o saber; quem detesta a correção torna-se imbecil. [...] O
justo mostra o caminho ao seu próximo, mas o caminho dos injustos extravia a
eles próprios”. (Pr 12,1.26)
E Jesus reforça o poder que ele
deu à Igreja e que os cristãos ainda ignoram: “Eu lhes garanto: tudo o que
vocês ligarem na terra, será ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na
terra, será desligado no céu.” (Mt 18,18), repetindo o que ele dissera a
Pedro quando lhe outorgara as chaves do Reino do Céu: “Eu lhe darei as
chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que
você desligar na terra será desligado no céu.” (Mt 16,19) Daí a gente chega
à conclusão de como é importante a vida em comunidade. Em
outras palavras Jesus nos diz: “Tudo o que vocês, como comunidade que são,
fizerem e tomarem as decisões que leve a promover o irmão e a buscar trazer o
irmão que errou para o bem caminho, Deus assina embaixo”.
Portanto, a lição que fica para hoje é essa: pensar nas pessoas que nos
ofenderam e analisar, com muita misericórdia, uma forma de se chegar até ela e
conversar sobre isso, sem acusações, mas na intenção de abrir os olhos daquela
pessoa para algo que talvez ela esteja fazendo de errado, e muitas vezes sem
perceber.
Um comentário:
Parabenizamos a participação do Diácono Milton R. no Programa Tribuna Independente da Rede Vida, abordando o tema: "Conhecendo a Bíblia". Agradecemos a Deus pela oportunidade de conviver e partilhar de sua experiência e sabedoria, na nossa comunidade.
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