Ano: A / cor: verde / leituras: Is 25,6-10;
Sl 33 (23); Fl 4,12-14.19-20; Mt 22,1-14
“Muitos são
chamados, e poucos são escolhidos” (Mt 22,14)
As leituras
das liturgias dominicais anteriores falavam da vinha do Senhor. Depois de três
domingos consecutivos falando dos cuidados de Yahweh para com a sua vinha,
símbolo do seu povo, a liturgia de hoje convida a todos para o banquete que ele
oferece.
A primeira
leitura fala do banquete oferecido por Yahweh a todos os povos e, no Evangelho,
o Pai convida para o banquete da festa de casamento de seu filho. Não é um
casamento que todos estão acostumados a participar. É um casamento importante:
o casamento do filho do rei, para o qual o Rei convida todos os povos. De
trabalhadores da vinha, de simples operários, o Senhor, torna todos seus
convivas, e convida a todos para o banquete do casamento do seu Filho.
Na primeira
leitura o profeta Isaias projeta-se para o futuro com uma linguagem
apocalíptica e descreve um banquete de raras iguarias que Yahweh promoverá para
todos os povos: “Yahweh dos exércitos vai preparar no alto deste monte, para
todos os povos do mundo, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos
finos, de carnes suculentas, de vinhos refinados.” (Is 25,6)
O profeta
Isaías é exímio em tirar partido dos sinais dos tempos. É um dos maiores teólogos
da história. Fala através de símbolos e metáforas com uma carga emotiva e apelativa
muito profunda. O estilo é clássico e nobre. O povo israelita encontrava-se
exilado e escravizado nas terras de Babilônia. Através da literatura
apocalíptica, Isaias tenta restabelecer a debilitada auto estima do povo e a
confiança de todos em Yahweh.
A literatura
apocalíptica, tanto do Antigo como do Novo Testamento, é sempre uma mensagem de
esperança, como é visto no livro do Apocalipse: “Aquele que está sentado no
tono, declarou: ‘Eis que faço nova todas as coisas. [...] Para quem tiver sede, eu darei de graça a
fonte da água viva. O vencedor receberá esta herança: eu serei o Deus dele, e
ele será meu filho.” (Apo 21,5.6-7), coisa que Yahweh falara por Isaias há
mais de setecentos anos antes: “Não fiquem lembrando o passado, não pensem
nas coisas antigas; vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando
agora, e vocês não percebem? Abrirei um caminho no deserto, rios em lugar seco.
As feras me glorificarão, como os lobos e avestruzes, porque eu oferecerei água
no deserto e rios na terra seca para matar a sede do meu povo, do meu
escolhido, o povo que eu formei para mim, para que proclame o meu louvor.” (Is
43,18-19)
Da mesma
maneira que o povo israelita, no Antigo Testamento, estava sendo escravizado
pelos babilônios no tempo de Isaias, quando foi escrito o Apocalipse, no Novo
Testamento, o povo judeu estava sendo subjugado pelos romanos. Em ambas as
situações a mensagem é de esperança porque, todas as mensagens apocalípticas
são de esperança. Paulo, aos corintios, escreveu: “Se alguém está em Cristo,
é uma nova criatura. As coisas antigas passaram; eis que uma realidade nova
apareceu.” (2Cor 5,17) É esta a mensagem que o profeta Isaias quer deixar
clara para todos, no século XXI, que têm a experiência do Antigo Testamento e a
adesão total ao Novo Testamento.
Isaias
continua na sua visão apocalíptica: “Neste monte, Yahweh arrancará o véu que
cobre todos os povos, a cortina que esconde todas as nações; ele destruirá para
sempre a morte. O Senhor Yahweh enxugará as lágrimas de todas as faces, e
eliminará da terra inteira a vergonha de seu povo – porque foi Yahweh quem
falou.” (Is 25,7-8). “No dia em que Yahweh enfaixar as feridas do seu povo e lhe
curar as chagas, a lua vai brilhar como o sol, e o brilho do sol será sete
vezes maior, como o brilho de sete dias reunidos.” (Is 30,26)
O livro do
Apocalipse também conforta o povo perseguido, seguindo a linha de Isaias: “Ele
vai enxugar toda lágrima dos olhos deles, pois nunca mais haverá morte, nem
luto, nem grito de dor. Sim, as coisas antigas desapareceram.” (Apo 21,4) A
humilhação, a morte, a escravidão, o sofrimento, as lágrimas, são coisas do
passado. O Reino de Yahweh vai se realizando, paulatinamente, a caminho do
Reino definitivo. O povo, que tem Yahweh como seu rei, é feliz, conforme diz o
salmista: “Feliz a nação cujo Deus é Yahweh, o povo que ele escolheu como
herança.” (Sl 33 (32),12). Esse povo irá livrar-se, gradualmente, da
opressão que o aflige e da tristeza que o abate: “... ele destruirá para
sempre a morte. O Senhor Yahweh enxugará as lágrimas de todas as faces, e
eliminará da terra inteira a vergonha de seu povo...” (Is 25,7-8); “Povo
de Sião que mora em Jerusalém, você não terá mais que chorar, pois ele vai se
compadecer do clamor da sua súplica.” (Is 30,19)
O interessante
é que, no Apocalipse, os versículos 7 e 8 do capítulo 21 apresentam um
contraste entre si: o vencedor receberá a herança, os infiéis o lago ardente de
fogo e enxofre: “O vencedor receberá esta herança: eu serei o Deus dele, e
ele será meu filho. Quanto aos covardes, infiéis, corruptos, assassinos,
imorais, feiticeiros, idólatras, e todos os mentirosos, o lugar deles é o lago
ardente de fogo e enxofre, que é a segunda morte. ” (Ap 21,7-8)
Da mesma
forma, no último capítulo e últimos versículos do livro de Isaias, são
destacados os destinos de cada um: dos bons que aderiram a Yahweh, que
aceitaram participar do seu banquete, e dos maus, que o ignoraram: “Da mesma
forma como durarão para sempre diante de mim os novos céus e a nova terra, que
criei – oráculo de Yahweh -, assim também durarão o povo e o nome de vocês.
Cada lua nova e cada sábado, todo mundo virá prostrar-se na minha presença, diz
Yahweh. Ao sair eles verão os cadáveres daqueles que se revoltaram contra mim,
porque o verme que os corroi não morre jamais e o fogo que os consome jamais se
apaga. Eles serão um horror para o mundo inteiro.” (Is 66,22-24)
O Salmo desta liturgia transmite o cuidado e o
amor que Yahweh tem para com o seu povo e o salmista, manifestando os anseios
de toda a humanidade, chama a Yahweh de seu pastor, colocando nele toda a sua
confiança e segurança: “Yahweh é meu pastor. Nada me falta. [...] Ele
me guia por bons caminhos, por causa do seu nome.” (Sl 22,1.3)
O título de pastor, nas Sagradas Escrituras, é
dado a todos aqueles que representam Deus no meio do povo e que deveriam levar
o povo ao banquete oferecido pelo Senhor: reis, sacerdotes, mandatários
governamentais, etc. Mas, muitos usam mal essa prerrogativa e fazem de sua
missão divina de pastor motivo de opressão, corrupção e descaminho para o povo
de Deus. O que deveria ser imagem de proteção e segurança, muitas vezes
transforma-se em exploração e opressão, e ai a figura do mau pastor se destaca,
passando a ser ladrão, assaltante e mercenário (cf. Jo 10,12-13) isto é, fazem
da missão sagrada de pastor um meio de sobrevivência e proveito próprio.
A figura de
banquete, almoços e jantares nos Evangelhos é muito frequente, e Jesus jamais
se fez de rogado para participar quando era convidado. Assim aconteceu na casa
de Mateus (cf Mt 9,9-18; Mc 2,13-14; Lc 5,27-32), na casa de Zaqueu (cf Lc 19,1-10),
na casa dos irmãos Marta, Lázaro e Maria (cf Lc 10,38-42; Jo 12,1-8); na casa
de Simão, o leproso (cf. Lc 7,36-50); na ceia com os discípulos de Emaús (cf Lc
24,13-35).
Para mostrar o
grande amor que o Pai tem por seus filhos, as Sagradas Escrituras o mostra como
aquele que oferece banquetes aos seus filhos amados. Só são convidadas para um
banquete ou para um casamento pessoas do próprio relacionamento, pessoas
íntimas, pessoas amadas. Jesus usa, de maneira escatológica, a imagem de
casamentos, como o caso desta parábola de Mateus 22,2-14 e Lucas 14,7-14 e
banquetes, também, como no caso de Lucas 14, 16-24 e 16,19-31.
E Jesus volta
a falar, incriminando as autoridades religiosas dos judeus através de
parábolas. Depois de contar várias parábolas sobre vinha, que se referia ao
povo de Israel e que as autoridades religiosas judaicas eram omissas nos
cuidados dessa vinha, Jesus novamente se dirige a eles, dizendo de maneira
metafórica, como já havia dito antes que “Por isso eu digo a vocês: o Reino
de Deus será tirado de vocês e entregue a um povo que produzirá frutos.” (Mt
21,43)
Jesus inicia a
parábola dizendo: “O Reino do Céu é como um rei que preparou a festa de
casamento do seu filho.” (Mt 22,2) Jesus viera propagar o Reino do Céu, e
começa sua vida pública, dizendo: “Convertam-se, porque o Reino do Céu está
próximo”. (Mt 3,2; Mc 1,15)
O Rei deste
Reino é o Pai; o filho do Rei e noivo do casamento é Jesus Cristo. A noiva é a
Igreja, a vinha que será tirada dos judeus e “entregue a um povo que produzirá
frutos”. Os empregados são os apóstolos e discípulos fiéis ao noivo. Os
convidados são todos os demais que o Pai ama: “Falem aos convidados que eu
já preparei o banquete, os bois e animais gordos já foram abatidos, e tudo está
pronto”. Que venham para a festa.” (Mt 22,4). Este convite foi feito, em
primeira instância, ao povo do Antigo Testamento. Hoje é feito para o povo do
Novo Testamento. Mas, os convidados do Antigo Testamento “não deram a menor
atenção; um foi para o seu campo, outro foi fazer os seus negócios, e outros
agarraram os empregados, bateram neles, e os mataram.” (Mt 22,5)
Os profetas do
Antigo Testamento apanharam e foram mortos por levar o convite desse banquete
ao povo. E o que aconteceu com os apóstolos e muitos dos demais empregados do
Novo Testamento que tentaram e tentam levar o convite do Rei para participar do
seu banquete? Aqui está um testemunho do próprio Apóstolo Paulo a respeito do
que aconteceu com ele por tentar levar o convite do Rei aos convidados: “São
ministros de Cristo? Falo como louco: eu o sou muito mais. Muito mais pelas
fadigas; muito mais pelas prisões; infinitamente mais pelos açoites; frequentemente
em perigo de morte; dos judeus recebi cinco vezes os quarenta golpes menos um.
Fui flagelado três vezes; uma vez fui apedrejado; três vezes naufraguei; passei
um dia e uma noite em alto mar. Fiz muitas viagens. Sofri perigos nos rios,
perigos por parte dos ladrões, perigos por parte de meus irmãos de raça, perigo
por parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar,
perigos por parte dos falsos irmãos.” (2Cor 11,22-26). E qual foi o fim de
Paulo? Perdeu a cabeça, literalmente; foi decapitado por convidar a todos para
participar do banquete que o Rei oferecia. E o fim de Pedro? Crucificado, e de
cabeça para baixo por ser o mensageiro do convite do Pai para o grande
banquete. E o fim dos demais apóstolos? E o fim da irmã Doroty?
O Pai é generoso e amigo. O
banquete está à mesa. A festa de casamento está acontecendo. O noivo aguarda a
presença e a manifestação de amizade de todos os convidados. Mas, “são
muitos os chamados, mas poucos os escolhidos”. (Mt 22,14) Cada um tem o seu
afazer: uns foram para o seu campo, outro foi fazer o seu negócio” (Mt
22,5b), outros não podem perder a novela ou o jogo de futebol, outros tem que
pescar, outros têm que desfrutar do carro novo. Motivos para não participar do
banquete têm muitos e muitas vezes nem precisam ser procurados. Mas os
convidados não aparecem para o banquete que o rei oferece. Muito pelo contrário:
irritados com a insistência dos mensageiros do rei, “agarraram os
empregados, bateram neles, e os mataram.” (Mt 22,5) Lucas, no seu Evangelho, ao narrar esse fato é mais detalhista e
apresenta assim as desculpas de não participar do banquete de casamento: “O
primeiro disse: ‘comprei um campo e preciso vê-lo. Peço-lhe que aceite minhas
desculpas’. Outro disse: ‘Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-las.
Peço-lhe que aceite minhas desculpas’. Um terceiro disse: ‘Acabo de me casar e,
por isso, não posso ir’.” (Lc 14, 18-20). O rei sente na alma a
recusa dos primeiros convidados, mas não desiste. Sente que “a festa do
casamento está pronta, mas os convidados não a mereceram”. (Mt 22,8)
Mas o banquete
não pode ser suspenso, tem que acontecer. No Evangelho de Lucas o banquete é
estendido, de modo especial, para “os pobres, aleijados, os cegos e os
mancos”. (Lc 14,11); o rei manda vir para o seu banquete os marginalizados,
os descamisados, os descalços, os discriminados, aqueles que ninguém gostaria
de ter como companhia num banquete, numa festa de casamento, ou na sua casa: é
o povo das bem aventuranças. O povo do Antigo Testamento rejeitou o banquete do
rei, mas o rei busca no povo das bem aventuranças seus novos convidados, mas,
para pertencer ao povo das bem aventuranças, há a necessidade de estar vestido
com o traje de festa (cf Mt 22,11). São exigências indispensáveis, para
participar deste banquete “deixar de viver como viviam antes, como homem
velho que se corrompe com paixões enganadoras. É preciso que se renovem pela
transformação espiritual da inteligência, e se revistam do homem novo, criado
segundo Deus na justiça e na santidade que vêm da verdade.” (Ef 4,22-24)
A veste de
festa, a veste nupcial, é o próprio Cristo: “Mas vistam-se do Senhor Jesus
Cristo, e não sigam os desejos dos instintos egoístas.” (Rm 13,14). “A
finalidade desta ordem é o amor que procede de um coração puro, de uma boa
consciência e de uma fé sem hipocrisia.” (1Tm 1,5)
O Pai continua
a oferecer o banquete através da Eucaristia... Mas, para participar da
Eucaristia, da Missa, que é o banquete por excelência que o Pai oferece, sempre
aparece aquela visita, aquele trabalho a ser acabado, preparar a comida, afinal
das contas, o banquete do Pai pode esperar, os afazeres e diversões não... Essa
é a grande verdade: passa-se a vida preocupado com os mil pequenos afazeres que
devem ser feitos e não se encontra tempo para as coisas que enaltecem,
enobrecem, divinizam o homem: a participação no banquete que o Pai oferece... a
Eucaristia...
A frase final
da parábola deixa claro as consequências dos que rejeitam o banquete do Pai ou
que não vestem os trajes de festa: Amarrem os pés e as mãos desse homem, e o
joguem fora na escuridão. Ai haverá choro e ranger de dentes.” (Mt 22,13)
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