Ano A / cor: verde /
leituras: Is 45,1.4-6; Sl 95 (96); 1Ts 1,1-5; Mt 22,15-21
“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21)
O profeta
Isaias, na primeira leitura, fala de um rei estrangeiro e pagão, isto é, que
não era judeu nem de nacionalidade e nem de religião. Para agravar a situação,
era o rei dominador do povo judeu e o mais poderoso de sua época: Ciro II, mais conhecido como Ciro, o Grande.
Ciro foi rei da Pérsia entre os anos
559 e 530 a.C. No ano de 539 aC Ciro conquistou a Babilônia onde estavam
cativos o povo judeu. Ciro foi um rei benevolente e, no ano de 537 a.C., foi o
autor da declaração que autorizava os judeus a regressarem para sua terra de
origem, libertando-o do cativeiro e escravidão, conforme narra o livro de
Esdras, 1,1-11, onde consta uma versão dos ditos dessa declaração, colocando
fim ao exílio babilônico dos judeus, nos seguintes termos: “Ciro, rei da
Pérsia,decreta: Yahweh, o Deus do céu, entregou-me todos os reinos do mundo.
Ele me encarregou de construir para ele um Templo em Jerusalém, na terra de
Judá. Quem de vocês provêm do povo dele? Que o seu Deus esteja com ele. Volte
para Jerusalém, na terra de Judá, para reconstruir o Templo de Yahweh, o Deus de
Israel. Ele é o Deus que reside em Jerusalém.” (Esd 1,2-3). Isaias,
prevendo esse acontecimento, antes que isso se realizasse, enaltece o rei,
atribui a Ciro algo que era destinado somente aos reis de Israel e Judá: a
unção de Yahweh: e o rei ungido se tornava o pastor do povo de Deus, e Isaias
escreve, dizendo: “Assim diz Yahweh a Ciro, o seu ungido...” completando
com todas as benesses contidas no livro de Isaias, 45,1-7.
O
Salmo 137 (136) retrata dolorosamente a saudade que os judeus sentiam da terra natal
que ficara tão distante, e pedem vingança contra Babilônia pelo mal que lhes
fez: “Junto aos rios da Babilônia nos sentamos e choramos, com saudades de
Sião. Nos salgueiros de suas margens penduramos nossas harpas. Lá, os que nos
exilaram pediam canções, nossos raptores queriam diversão: ‘Cantem para nós uma
canção de Sião’. Como cantar um canto de Yahweh em terra estrangeira? Se eu me
esquecer de você, Jerusalém, que seque a minha mão direita. Que a minha língua
se cole no paladar se eu não me lembrar de você, e se eu não elevar Jerusalém
ao topo da minha alegria. [...] Ó devastadora capital da Babilônia,
feliz quem lhe devolver o mal que você fez para nós. Feliz quem agarrar e
esmagar seus nenês contra o rochedo” (Sl 137 (136) 1-6.8-9)
Tudo leva a crer
que, depois de tantas invasões nos seus territórios, de exílios tão violentos
sofridos, da submissão a outros povos por tempo tão longo e da saudade
incontrolável e dolorida da terra natal para os judeus, as atitudes
benevolentes do rei Ciro davam a eles a sensação de liberdade e autonomia. Por
isso, o profeta Isaías até chamou a Ciro de “Ungido/Messias do Senhor, homem
conduzido pela mão de Deus”. Isso também demonstra que Yahweh lança mão de
reis estrangeiros para trazer benefícios ao seu povo.
O rei Ciro é
citado em muitos livros da Bíblia como, por exemplo, em Isaias, Esdras, Daniel
e Segundo Livro das Crônicas, e todas as citações enaltecem as atitudes desse
rei persa.
A segunda
leitura é de Paulo, e é o início da primeira carta aos tessalonicenses. Esta
foi a primeira carta escrita por Paulo e isso aconteceu no ano 52 dC, e foi o
primeiro escrito cristão do Novo Testamento. Pelo visto Paulo não escreveu essa
carta sozinho, porque com ele estavam seus discípulos Silvano e Timóteo: “Paulo,
Silvano e Timóteo à igreja dos tessalonicenses, que está em Deus Pai e no Senhor
Jesus Cristo. A vocês, graça e paz”. (1Ts 1,1) Os Evangelhos e os Atos dos
Apóstolos foram escritos muitos anos depois das cartas de Paulo, entre os anos 65 a 100 dC. Antes dos Evangelhos
eram as cartas de Paulo os únicos escritos cristãos que transmitiam a mensagem
de Cristo a todas as comunidades cristãs.
Por onde
passava, Paulo fundava Igrejas e as deixava em formação. Como era
um evangelizador irrequieto, Paulo permanecia pouco tempo em cada lugar, e logo
partia para outro, geralmente grandes centros, para fundar uma nova Igreja. Paulo
não se esquecia das Igrejas fundadas por ele e, mesmo de longe, recebia pedidos
de orientação e escrevia cartas para fortalecer as Igrejas criadas por ele, e
isso consistia em: responder as consultas que lhe faziam; tomar posição frente
aos acontecimentos daquela comunidade; mostrar seus sentimentos pessoais e seu
interesse vivo pela comunidade. Por exemplo, na primeira carta aos corintios,
Paulo procura responder a consultas de ordem religiosa, moral e ética, e
esclarecer conflitos e tensões da comunidade naquele momento histórico. As
cartas de Paulo são escritos ocasionais, destinados a ajudar as comunidades a
resolver seus problemas. Nem sempre o que era ditado para uma comunidade,
servia para outra.
Paulo
recomendava que suas cartas fossem lidas em comunidade e que houvesse troca das
cartas entre as comunidades, e preferia que cada cristão, com seu exemplo de fé
e vida cristã, fosse uma carta sua: “Nossa carta de recomendação são vocês
mesmos, carta escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens.
De fato, é evidente que vocês são uma carta de Cristo, da qual nós fomos o
instrumento.” (2Cor 3,2-3)
O
Evangelho desta liturgia mostra como as autoridades religiosas judaicas não davam
tréguas a Jesus. Nos dias atuais poderiam ser chamados de “cri-cri”. O objetivo
deles era fazer calar Jesus. Anteriormente tentaram, várias vezes, mas não
alcançaram êxito na sua empreitada. Tentam novamente: “Então os fariseus se
retiraram, e fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra.” (Mt
22,15). E Jesus insiste em dizer que o novo povo de Deus pertence somente a
Deus e só Deus pode exigir do homem adoração. Como os fariseus já estavam
escaldados e com as costas quentes de tanto Jesus os chamar de “hipócritas”,
desta feita mandaram seus discípulos e alguns herodianos, da laia de Herodes,
para que, se Jesus falasse alguma coisa que contradissesse a vontade do povo,
pondo em cheque a autoridade de Herodes, que era protegido de César, fossem
tomadas as medidas necessárias imediatamente contra Jesus: o denunciariam às
autoridades romanas para que o prendessem e o julgassem como um agitador.
Desta feita
tentam Jesus ao perguntar-lhe sobre o imposto que estavam pagando a César, o
imperador de Roma. Era público e notório que as autoridades religiosas dos
judeus, os fariseus e saduceus, estavam numa situação cômoda em relação aos
romanos que davam a eles permissão para praticarem a sua religião e exercitarem
os seus ritos e desfrutarem de suas mordomias, desde que eles não afrontassem a
autoridade romana e nem permitissem que o povo assim o fizessem e, por isso, os
romanos não tiravam a autoridade religiosa dos fariseus e saduceus em relação
ao povo.
Os discípulos
dos fariseus e os herodianos, a mando dos fariseus, chegaram até Jesus e lhe
perguntaram, usando de uma artimanha própria das pessoas falsas e bajuladoras
que extrapolava o senso da honestidade, chegando às raias do ridículo: “Mestre,
sabemos que tu és verdadeiro, e que ensinas de fato o caminho de Deus. Tu não
dás preferência a ninguém, porque não levas em conta as aparências. Dize-nos,
então, o que pensas: é lícito ou não pagar o imposto a César?” (Mt
22,16b-17). Ao ouvir isso, o sangue de qualquer pessoa decente subiria à
cabeça, e não foi diferente com Jesus, e a sua paciência com aquela corja
chegara ao limite, ao auge do permitido e do aceitável, porque: “Jesus
percebeu a maldade deles, e disse: ‘Hipócritas’! Porque vocês me tentam?” Jesus
lhes pede que mostrem a moeda do imposto e, ao vê-la, perguntou: “De quem é
a figura e inscrição nesta moeda’? Eles responderam: ‘É de César’.” (Mt
22,18-21a)
Chegaram ao
cúmulo da impertinência. Jesus não suportou isso e, tomado pela ira por ver que
eles eram cegos que não queriam ver ou que enxergavam, mas se faziam de cegos
para as coisas de Deus, os chama novamente de “hipócritas”, talvez, repetindo o
que já havia dito aos próprios fariseus por ocasião da cura do cego de
nascença: “Se vocês fossem cegos, não teriam nenhum pecado. Mas como vocês
dizem: ‘Nós vemos’, o pecado de vocês permanece.” (Jo 9,41) A cegueira das
autoridades religiosas judaicas era a recusa de Jesus como o Emanuel, o Cristo.
Então, os
discípulos dos fariseus, acompanhados dos sequazes de Herodes, a mando dos
próprios fariseus, perguntaram a Jesus: “Dize-nos, então, o que pensas: é
lícito ou não pagar o imposto a César?” Se Jesus dissesse que seria lícito
pagar o imposto a César, os fariseus colocariam o povo contra Jesus, dizendo que
ele era um traidor do seu povo e incentivava o pagamento de impostos ao povo
dominante e opressor do povo judeu. Se Jesus dissesse que não seria lícito, os
sequazes de Herodes o delatariam às autoridades romanas que o prenderiam por
agitação popular. “Jesus percebeu a maldade deles, e disse: ‘Hipócritas’!
Porque vocês me tentam?” Jesus lhes pede que mostrem a moeda do imposto que
trazia a efígie de César e que simbolizava o poderio e a autoridade romana
sobre o povo judeu, a quem o povo dominado deveria prestar obediência e
homenagem e, ao vê-la, perguntou: “De quem é a figura e inscrição nesta
moeda’? Eles responderam: ‘É de César’. Então Jesus disse: ‘Pois dêem a César o
que é de César e a Deus o que é de Deus.” (Mt 22,18-21) Os judeus, ainda
que dominados pelos romanos, podiam ter suas próprias propriedades, exercerem
suas atividades profissionais e cultuarem o seu Deus, isto é, recebiam certos
benefícios da dominação romana, mas tinham a obrigação de pagar por isso e
devolver a César, em impostos, a liberdade controlada que tinham, quando exigido.
A maneira como Jesus resolveu o dilema foi impressionante. O que Jesus
deixou claro é que o que é destinado a Deus não pode ser comparado e nem
competir com o que é atribuído a qualquer autoridade humana, seja ela rei,
imperador, ditador, presidente ou o que quer que seja. O que é de Deus, é de
Deus. O homem vive numa sociedade e tem responsabilidades com essa sociedade e
deve contribuir com a sociedade que é representada por seus dirigentes, seus
governantes, de uma maneira equitativa e justa. Isso é o que é de César. Mas as
disposições e exigências de César devem ser respeitadas desde que não
contradigam a vontade de Deus. Isso significa que toda pessoa que vive numa
civilização organizada com as próprias instituições políticas, sociais,
econômicas, deve ser respeitada sua dignidade de pessoa enquanto criada por
Deus à sua imagem e semelhança.
O cristão, por
ser cristão, não está ausente do mundo nem corta relações com as coisas da
terra, mas deve ter como princípio reverenciar e adorar quem fez o mundo e
governa todas as coisas, respeitando todos aqueles que são seus representantes
no século, como ensinou Paulo: “Submetam-se todos às autoridades
constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem
foram instituídas por Deus. Quem se opõe à autoridade, se opõe à ordem
estabelecida por Deus. Aqueles que se opõem, atraem sobre si a condenação. Na
verdade, os que governam, não devem ser temidos quando se faz o bem, mas quando
se faz o mal. Se você não quer ter medo da autoridade, faça o bem, e ela o
elogiará. A autoridade é o instrumento de Deus para o bem de você, mas, se você
pratica o mal, tema, pois não é à toa que a autoridade usa a espada: quando
castiga, ela está a serviço de Deus, para manifestar a ira dele contra o
malfeitor. Por isso, é preciso submeter-se, não só por medo do castigo, mas
também por dever de consciência. É também por isso que vocês pagam impostos,
pois os que têm esse encargo são funcionários de Deus. Dêem a cada um o que é
devido: o imposto e a taxa, a quem vocês devem imposto e taxa; o temor, a quem
vocês devem temor; a honra a quem vocês devem honra.” (Rm 13,1-7)
Na carta a
Timóteo Paulo incentiva o respeito e recomenda que se reze pelas autoridades: “Antes
de tudo, recomendo que façam pedidos, orações, súplicas e ações de graças em
favor de todos os homens, pelos reis, e por todos os que têm autoridade, a fim
de que levemos uma vida calma e serena, com toda piedade e dignidade. Isso é
bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador.” (1Tm 2,1-3)
O cristão deve
pagar impostos, sim, dar a César o que é de César (cf Mt 22,21): “É também
por isso que vocês pagam impostos, pois os que têm esse encargo são
funcionários de Deus. Dêem a cada um o que é devido: o imposto e a taxa, a quem
vocês devem imposto e taxa; o temor, a quem vocês devem temor; a honra a quem
vocês devem honra.” (Rm 13,6-7), porque o cristão deve agir com decoro,
honestidade e integridade em todas as áreas de sua vida: “Lembre a eles que
devem ser submissos aos magistrados e
autoridades, que devem obedecer e estar prontos para toda boa obra.” (Tt
3,1). As autoridades civis, militares, médicas, judiciárias e religiosas
são a presença de Deus no meio de seu povo, são os vinhateiros que devem cuidar
da vinha do Senhor e por isso devem agir com honestidade e respeito, porque o
povo de Deus merece respeito.
Mas Jesus
também se dirige aos discípulos que ele escolheu para direcionar o povo
escolhido no Novo Testamento para seguir o Caminho, a Verdade e a Vida (cf Jo
14,6), os vocacionados para o diaconato, o sacerdócio e a vida religiosa, e
deixa claro que esses seus discípulos estão no mundo, mas não pertencem ao
mundo: “Se o mundo odiar vocês, saibam que odiou primeiro a mim. Se vocês
fossem do mundo, o mundo amaria o que é dele. Mas o mundo odiará vocês, porque
vocês não são do mundo, pois eu escolhi vocês e os tirei do mundo.” (Jo
15,18-19). Mas para todos os discípulos de Jesus, indiscriminadamente, não pode
haver conciliação entre duas cidadanias: a do mundo e a de Deus.
Ao terminar a
conversa de Jesus com os discípulos dos fariseus e os herodianos, o evangelista
apenas complementa, dizendo: “Ouvindo isso, eles ficaram admirados. Deixaram
Jesus e foram embora.” (Mt 22,22) Mais isso não quer dizer que eles
desistiram de tentar Jesus...
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