Ano A / Cor:
verde / Leituras: Ex 22,20-26; Sl 17 (18); 1Ts 1,5-10; Mt 22,34-40
“Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” (Mt 22,36)
Diácono Milton Restivo
No Evangelho as autoridades religiosas
judaicas continuam azucrinando o sossego de Jesus. Neste capítulo 22 de Mateus,
em primeiro lugar, Jesus fez calar os fariseus quando eles perguntaram se era
lícito pagar o imposto a César (cf. Mt 11,15-22), fato que vimos no domingo
passado. Os saduceus, sabendo que Jesus calara os fariseus, voltam à carga,
testando Jesus sobre a ressurreição, considerando que eles, os saduceus, não
acreditavam na ressurreição dos mortos (cf Mt 22,23-33), tendo-os, também,
calado Jesus. Agora os fariseus voltam à carga: “Os fariseus ouviram dizer
que Jesus tinha feito os fariseus se calarem. Então eles se reuniram em grupo,
e um deles perguntou a Jesus: ‘Mestre, qual é o maior mandamento da Lei’?” (Mt
22,34-36)
Que idiotice. Que pergunta mais
estúpida, considerando que eles, os fariseus, se julgavam os mestres da Lei e
os orientadores do povo em tudo aquilo que dizia respeito à Lei de Moisés. É ou
não é para tentar Jesus? Todos os judeus que se prezavam, tinham conhecimento
pleno da Lei de Moisés e sabiam de cor e salteado todos os mandamentos e, de
uma maneira especial, qual seria o maior mandamento da Lei. Aos dez mandamentos
de Moisés eles acrescentaram, por conta deles mesmos, mais 613 mandamentos que
obrigavam o povo conhecê-los e cumpri-los, merecendo, por isso, uma reprimenda
por parte de Jesus, que chamou a atenção do povo a respeito deles, dizendo: “Os
doutores da Lei e os fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés.
Por isso, vocês devem fazer o observar tudo o que eles dizem. Mas não imitem
suas ações, pois eles falam e não praticam. Amarram pesados fardos e os colocam
no ombro dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer
com um dedo.” (Mt 23,2-4) e, voltando-se para os fariseus, lhes disse: “Ai
de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês fecham o Reino do Céu
para os homens. Nem vocês entram, nem deixam entrar aqueles que desejam. [...]
Guias cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo. [...] Ai
de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas. Vocês são como sepulcros
caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheio de ossos de
mortos e podridão. Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos
outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça.” (Mt
23,13.24.27-28) Será que nós mesmos não nos identificamos com esse tipo de
gente? Aonde essa corja quer chegar tentando Jesus dessa maneira?
A primeira leitura, tirada do livro do
Êxodo, fala sobre as leis morais e religiosas que é transmitida ao povo
israelita quando ainda estava na caminhada do deserto, rumo a Terra Prometida.
Orienta sobre o respeito que se deve ter ao estrangeiro e a assistência que se
deve dispensar para a viúva e o órfão; orienta sobre tomar objetos como penhor
do pobre e, se acaso for necessário emprestar dinheiro ao necessitado, que não
o faça com usura, isto é, cobrando altos juros. Tudo isso gira em torno do amor
e do respeito que deve ser dispensado ao próximo, seja ele estrangeiro, ou do
próprio povo, ou viúva, ou órfão, ou pobre, ou necessitado (cf. Ex 22,20-26)
O amor e o respeito ao próximo deve ser
indiscriminado. E essa passagem do Êxodo refere-se ao segundo mandamento mais
importante da Lei, conforme o próprio Jesus respondeu aos fariseus, que se
faziam passar por inconvenientes e idiotas a respeito do amor e respeito que se
deve dedicar ao próximo, ao que Jesus classificou como o segundo mandamento
mais importante: “O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás o teu próximo como
a ti mesmo” (Mt 22,39)
Esse mandamento do amor ao próximo está
prescrito no livro do Levítico, 19,18, que os fariseus sabiam como ninguém.
Então os fariseus conheciam esse mandamento e queriam somente conturbar a
presença de Jesus em
Jerusalém. Na Lei de Moisés não consta esse mandamento como
sendo o segundo mais importante, mas Jesus assim o coloca porque só se pode
amar a Deus através do próximo, do irmão, da irmã e, por várias vezes, Jesus
insiste neste mandamento, que se resume em uma única palavra: “amor”. A partir
do ensinamento de Jesus fica claro um mandamento novo, que se resume exatamente
no amor: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim
como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros.” (Jo 13,34) Mas o
que Jesus quer dizer com um “mandamento novo”? Estaria Jesus abolindo os
mandamentos da antiga aliança, os mandamentos ditados por Moisés? Não, porque
ele mesmo dissera: “Não pensem que eu vim abolir a Lei e os Profetas. Não
vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento”. (Mt 5,17)
Certo. Está claro que Jesus não altera,
absolutamente o decálogo, os dez mandamentos transmitidos por Moisés. Então,
será que Jesus quer acrescentar mais um mandamento aos dez do Antigo
Testamento? Absolutamente, não. O novo mandamento do amor, deixado por Jesus,
não altera o antigo e nem acrescenta um novo mandamento. Apenas reforça e
insiste no cumprimento dos mandamentos da antiga aliança porque, quem ama de
verdade o próximo, ama em primeiro lugar a Deus sobre todas as coisas, não
pronunciando o santo nome de Deus em vão, respeita o domingo, que é o dia do
Senhor, honra o pai e a mãe, jamais procura fazer o mal a quem quer que seja,
não praticando violência contra o próximo, procurando dele não tirar proveito,
não atenta contra a vida do próximo, não comete adultério, não rouba e nem
furta, não fala mal do próximo, procurando não levantar falso testemunho, não
deseja nada que seja do próximo, respeitando a sua propriedade, os seus
direitos, a sua mulher, o seu marido.
Então, o novo mandamento do amor deixado
por Jesus abrange todos os mandamentos da lei antiga, porque, quem ama o
próximo, nos moldes dos ensinamentos de Jesus, nada fará que prejudique o
próximo, amando, em primeira instância a Deus sobre todas as coisas. Temos que
considerar também que, os mandamentos de Moisés são expressos de maneira
negativa: não matar... Não roubar... Não desejar... O novo mandamento de Jesus
é positivo: “amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem
se amar uns aos outros.” (Jo 13,34) Quando foi feita a
Jesus a pergunta: "Qual é o maior mandamento da lei?", Jesus
responde "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a
tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento.
O segundo é semelhante a esse: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses
dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas" (Mt 22,37-40). O
decálogo de Moisés deve ser interpretado à luz desse duplo e único mandamento
do amor – amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo -,
que é a plenitude da lei.
Para aqueles
que lhe fizeram essa pergunta, os fariseus, Jesus deixa claro que a justiça de
Deus supera a lei dos escribas e fariseus como também a dos pagãos (cf. Mt
5,20) Jesus desenvolveu todas as exigências dos mandamentos e os explicita de
modo claro, preciso e como nunca haviam antes sido interpretados: “Vocês
ouviram o que foi dito aos antigos: ‘Não mate! Quem matar será condenado pelo
tribunal’. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que fica com raiva do seu irmão,
se torna réu perante o tribunal’.” (Mt 5,21-22a)
Jesus não
somente incentivou aos seus discípulos a amarem-se uns aos outros; ele os amou
primeiro e até o fim, até a sua morte: “Antes da festa da Páscoa, Jesus
sabia que tinha chegado a sua hora. A hora de passar deste mundo para o Pai.
Ele que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.” (Jo
13,1), vivendo e confirmando aquilo que ele diria aos seus discípulos, o que
seria uma verdadeira prova de amor: “O meu mandamento é este: amem-se uns
aos outros como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos
amigos. Vocês são meus amigos, se fizerem o que eu estou mandando.”. (Jo
15,12-14)
João
Evangelista, chamado também de “o apóstolo do amor”, na sua carta, ratifica
esse testemunho de amor de Jesus: “Compreendemos o que é amor, porque Jesus
deu a sua vida por nós. Portanto, nós também devemos dar a vida pelos irmãos,” (1Jo
3,16)
Depois de dar
o exemplo do verdadeiro amor, Jesus continua falando sobre o novo mandamento: “Assim
como o Pai me amou, eu também amei vocês: permaneçam no meu amor. Se vocês
obedecem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como eu obedeci
aos mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor.” (Jo 15,9-10) “Se
vocês tiverem amor uns pelos outros, todos reconhecerão que vocês são meus
discípulos.” (Jo 13,35)
O Apóstolo do
amor reafirma aos seus discípulos o novo mandamento de Jesus: “Filhinhos,
não lhes comunico um mandamento novo, mas o mandamento antigo, esse mesmo que
vocês receberam desde o princípio. O mandamento antigo é a palavra que vocês
ouviram. E, no entanto, o mandamento que lhes comunico é novo – pois ele é
verdadeiro em Jesus e em vocês – porque as trevas já estão se afastando, e a
verdadeira luz já está brilhando. Quem afirma que está na luz, mas odeia o seu
irmão, ainda está nas trevas. Quem ama o seu irmão permanece na luz, e nele não
há ocasião de tropeço. Ao contrário, quem odeia o seu irmão está nas trevas:
caminha nas trevas e não sabe aonde vai, porque as trevas lhe cegaram os
olhos.” (1Jo 2,7-11)
E João
continua na insistência do mandamento do amor ao próximo que ele aprendera com Jesus:
“Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. E todo aquele
que ama, nasceu de Deus, e conhece a Deus, porque Deus é amor. [...] No
amor não existe medo; pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque
o medo supõe castigo. Por conseguinte, quem sente medo, ainda não está
realizado no amor. Quanto a nós, amemo-nos porque ele nos amou primeiro. Se
alguém diz: ‘Eu amo a Deus’ e, no entanto, odeia o seu irmão, esse tal é
mentiroso; pois quem não ama a seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a
quem não vê. E este é justamente o mandamento que dele recebemos: quem ama a
Deus, ame também o seu irmão.” (1Jo 4,7-8.18-21) Amar a Deus significa
fazer-se próximo do próximo a quem se manifesta amor de Deus em forma de fraternidade.
O amor é a manifestação da fé e do respeito que temos ao próximo, porque o amor
a Deus não se mede de outra maneira que não seja pelo amor dedicado ao próximo.
Deus não admite o amor a si sem que este amor se torne gestos concretos de
caridade. E João é categórico quando fala a respeito disso: “Se alguém
possui os bens deste mundo e, vendo seu irmão em necessidade, fecha-lhe o
coração, como pode o amor de Deus permanecer nele? Filhinhos, não amemos com
palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade.” (1Jo 4,17-18)
Para que os
homens pudessem entender melhor o novo mandamento do amor, Jesus os prepara com
a chamada “regra de ouro”: “Não julguem e vocês não serão julgados. De fato,
vocês serão julgados com o mesmo julgamento com que vocês julgarem, e serão
medidos com a mesma medida com que vocês medirem. [...] Tudo o que vocês
desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles. Pois nisso
consiste a Lei e os Profetas.” (Mt 7,1-2.12) Nisso consiste a Lei e os
Profetas, sim, mas Jesus transfere essa regra de ouro aos seus discípulos
porque, o verdadeiro amor que se deve dedicar ao próximo seria tratá-lo como
gostaríamos de ser tratados, ou seja, nos colocarmos no lugar do próximo quando
lhe dedicamos atenção e respeito.
Amar ao
próximo como a nós mesmos: fazer pelos outros o que desejaríamos que os outros
fizessem por nós e para nós. Essa é a expressão mais completa do amor, da
caridade, porque resume e inclui todos os deveres do homem para com o próximo,
de um ser humano para outro ser humano, feitos à imagem e semelhança do Criador
(cf. Gn 1,26) Essa é a regra de ouro a respeito do que devemos fazer aos outros:
aquilo que desejamos que os outros façam para nós. Com que direito exigiríamos
dos nossos semelhantes melhor procedimento, mais respeito, mais benevolência e
devotamento para conosco, do que os teríamos para com eles?
E Jesus, na
oração sacerdotal, quando preparava os discípulos para a sua morte de cruz,
pede ao Pai, que o amor do Pai por ele, seja o mesmo amor que o Pai destinará
aos seus discípulos: “Pai justo, o mundo não te reconheceu, mas eu te
reconheci. Estes também reconheceram que tu me enviaste. E eu tornei o teu nome
conhecido para eles. E continuarei a torná-lo conhecido para que o amor com que
me amaste esteja neles, e eu mesmo esteja neles.” (Jo 17,25-26).
Meu Deus,
agora me apercebo que, aproveitando o ensejo da pergunta dos fariseus a Jesus
sobre qual seria o maior mandamento, só falei do amor ao próximo. E o primeiro
mandamento, como fica??? O Antigo Testamento
e a Lei de Moisés, em particular, são claros, objetivos, precisos e insistentes
quanto ao amor que se deve ter com Deus, e afirmam: “Ame a Yahweh seu Deus
com todo o seu coração, com toda a sua alma com toda a sua força” (Dt 6,5),
e foi isso que Jesus repetiu aos fariseus no que diz respeito ao primeiro
mandamento. Quanto a isso, todas as autoridades religiosas judias, os fariseus,
os saduceus, os escribas e os doutores da Lei conheciam. O que eles não levavam
a sério seria que “o
segundo é semelhante a esse: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39) Isso eles não sabiam e, se
soubessem, desprezavam.
Com respeito ao amor que devemos a Deus,
ouçamos João: “Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. E
todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece
a Deus, porque Deus é amor. Nisto se tornou visível o amor de Deus entre nós:
Deus enviou o seu Filho único a este mundo para dar-nos a vida por meio dele. E
o amor consiste no seguinte: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que
nos amou, e nos enviou o seu Filho como vítima expiatória por nossos pecados. [...]
Quanto a nós, amemo-nos, porque ele nos amou primeiro.” (1Jo 4,7-19)
Deus nos amou primeiro. Amemos a Deus sobre todas as coisas.
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