domingo, 30 de outubro de 2011

31º Domingo do Tempo Comum


Ano A / cor: verde / leituras: Ml 1,14-2,1-2.8-10; Sl 130 (131); 1Ts 2,7-9.13; Mt 23,1-12

Quem se eleva será humilhado, e quem se humilha, será exaltado” (Mt 23,12)

Diácono Milton Restivo
           
            Nos santos Evangelhos, de modo especial no Evangelho de Mateus, a figura do fariseu é a antítese de tudo aquilo de bom que Jesus veio trazer à humanidade. O cristianismo nascente deixou transparecer uma imagem marcada e caracterizada pela contradição e dedicação ferrenha no combate aos ensinamentos de Jesus por parte dos fariseus. Os maiores rivais políticos e religiosos dos fariseus foram, durante muito tempo, os saduceus, principalmente devido a postura em favor de Roma por parte dos saduceus. Esta rivalidade, contudo, não os impedia de unirem-se em alguns momentos em que os objetivos faziam-se comuns, principalmente para contradizer e tentar Jesus.
Junto aos saduceus, doutores da Lei e escribas, os fariseus eram tidos como adversários de Jesus, dos quais Jesus ataca duramente a sua prepotência, o seu orgulho, a sua avareza, a sua hipocrisia e, sobretudo, a pretensão que eles tinham em defender a crença de que a salvação viria através da Lei de Moisés, de quem eram discípulos e ferrenhos defensores. Os Evangelhos os retratam como os principais oponentes de Jesus (cf Mc 8,11; 10,2; etc)

Mas, quem eram os fariseus? Os fariseus formavam um grupo ativo, numeroso e influente na Palestina desde o século II aC. O termo “fariseu” significa, em hebraico, “separados, santos” e eles se intitulavam como “a verdadeira comunidade de Israel”. Dedicavam-se à observância rígida das leis e tradições por parte dos membros do grupo, conforme deixa claro Jesus na parábola do fariseu e do publicano em Lucas 18,10-14. Criaram uma lei oral em conjunto com a Lei escrita, e foram os criadores da instituição da sinagoga. Com a destruição de Jerusalém no ano 70 dC, foram eles que mantiveram em vigência a religião judaica pelos tempos afora. Eram um seguimento religioso do judaísmo de forte conotação política. Aceitavam, defendiam e procuravam viver, ao seu modo, a Torah, a Lei de Moisés. Acreditavam na ressurreição dos mortos, em anjos e demônios, no julgamento futuro e na vinda do Messias. Eram homens inteligentes, acreditavam nos profetas, eram estudiosos e zelosos pelas coisas de Deus de acordo com os ensinamentos de Moisés e do Antigo Testamento e exímios conhecedores da Lei mosaica. Cumpriam rigorosa e religiosamente o que determinava a Lei de Moisés. Não contentes com os dez mandamentos transmitidos por Yahweh a Moisés, elaboraram, além desses, mais 613 mandamentos que sabiam de cor e salteado, que tinham como ideal a santidade pela fiel observância da Lei de Moisés.
Esses 613 mandamentos eram divididos em 248 prescrições positivas e 365 proibições, e eles obrigavam o povo a cumpri-los e, os que não os cumpriam, eram considerados malditos, excluídos da salvação, e foi isso que deixou Jesus irritado com eles, dizendo: “Os doutores da Lei e os fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Por isso, vocês devem fazer o observar tudo o que eles dizem. Mas não imitem suas ações, pois eles falam e não praticam. Amarram pesados fardos e os colocam no ombro dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo. (Mt 23,2-4). De crentes e fariseus todos nós temos um pouco.
Os fariseus eram ferrenhos observadores da lei da pureza, através da qual consideravam como se fosse um pecado mortal assentar-se à mesa para tomar refeição sem lavar as mãos, tendo a petulância de chamar a atenção de Jesus a respeito disso: “Os fariseus e alguns doutores da Lei foram de Jerusalém e se reuniram em volta de Jesus. Eles viram então que alguns discípulos comiam pão com mãos impuras, isto é, sem lavar as mãos. Os fariseus, assim como todos os judeus, seguem a tradição que receberam dos antigos: só comem depois de lavar bem as mãos. Quando chegam da praça pública, eles se lavam antes de comer. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar os copos, jarras e vasilhas de cobre. Os fariseus e os doutores da Lei perguntaram então a Jesus: ‘Porque os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, pois comem ao sem lavar as mãos’?” (Mc 7,15; Mt 15,1-2)
Um fariseu também chama a atenção de Jesus por se assentar-se à mesa para a refeição sem ter-se purificado: “O fariseu ficou admirado ao ver que Jesus não tinha lavado as mãos antes da refeição.” Jesus não perde a oportunidade de criticar a rigidez da observação dessa lei e diz: “Vocês, fariseus, limpam o copo e o prato por fora, mas o interior de vocês está cheio de roubo e maldade. Gente sem juízo! Aquele que fez o exterior não fez também o interior? Antes, dêem em esmola o que vocês possuem, e tudo ficará puro para vocês.” (Lc 11,38-41). Defendiam, com rigor, a observância do sábado sagrado, do dízimo, e das restrições alimentares e, por isso, Jesus foi extremamente rigoroso com eles: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês fecham o Reino do Céu para os homens. Nem vocês entram, nem deixam entrar aqueles que desejam. [...] Guias cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo. [...] Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas. Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheio de ossos de mortos e podridão. Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça.” (Mt 23,13.24.27-28)
Os escribas e doutores da Lei pertenciam a esse grupo e, por isso, os fariseus tinham ascendência nos ensinamentos nas sinagogas onde os judeus se reuniam todos os sábados para ouvir e aprender os ensinamentos da Lei mosaica. Contudo, em termos teológicos, cristãos e fariseus concordavam em alguns aspectos, o que explica o grande número de fariseus que acabaram por tornarem-se cristãos. (At 15,5). O Apóstolo Paulo, antes de converter-se ao cristianismo, foi um fariseu ferrenho, como ele mesmo testemunhou: “Todos os judeus sabem como foi a minha vida desde a minha juventude, no meio do meu povo e em Jerusalém, desde o início. Eles me conhecem de longa data e, se quiserem, podem testemunhar que vivi como fariseu, conforme a seita mais rígida da nossa religião (At 26,4-5). Paulo, como fariseu que era, tentou fazer de tudo para dizimar a religião cristã nascente, prendendo e matando os seguidores do Crucificado: “As testemunhas depuseram seus mantos (do diácono Estevão) aos pés de um jovem chamado Saulo.” (At 7,58); “Saulo era um daqueles que aprovavam a morte de Estevão. Naquele dia desencadeou-se uma grande perseguição contra a igreja de Jerusalém. E todos os apóstolos se espalharam pelas regiões da Judéia e da Samaria. [...] Saulo, porém, devastava a igreja: entrava nas casas e arrastava para fora homens e mulheres, para colocá-los na prisão”. (At 8,1.3); “Saulo só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor. Ele apresentou-se ao sumo sacerdote, e lhe pediu cartas de recomendação para as sinagogas de Damasco, a fim de levar presos para Jerusalém todos os homens e mulheres que encontrasse seguindo o Caminho.” (At 9,1-2). Paulo confessa tudo isso, assumindo a sua conversão ao cristianismo: “Eu também antes acreditava ser meu dever combater com todas as forças o nome de Jesus, o Nazareu. E foi isso que eu fiz em Jerusalém: prendi muitos cristãos com autorização dos chefes dos sacerdotes, e dei o meu voto para que fossem condenados à morte. Em todas as sinagogas eu procurava obrigá-los a blasfemar por meio de torturas e, no auge do furor, eu os caçava até em cidades estrangeiras. (At 26,9-11); “Certamente vocês ouviram falar do que eu fazia quando estava no judaísmo. Sabem como eu perseguia com violência a Igreja de Deus e fazia de tudo para arrasá-la. Eu superava no judaísmo a maior parte dos compatriotas da minha idade, e procurava seguir com todo o zelo as tradições dos meus antepassados. (Gl 1,13-14).   A perseguição de Paulo, como fariseu, contra o cristianismo, serviu apenas como fermento para a difusão da mensagem de Jesus Cristo: “E aqueles que se dispersaram iam de um lugar para outro anunciando a Palavra”. (At 8,4). Então, perguntamos: por que essa discordância entre os fariseus e Jesus? Primeiro: os fariseus esperavam, sim, o Messias, mas um Messias guerreiro, lutador, político, que viesse montado num deslumbrante cavalo branco, empunhando uma reluzente espada, organizasse um exército invencível, e expulsasse das terras de Judá os seus invasores, no caso, os romanos. E o que aparece? Um andarilho proveniente de uma região desprezada por eles e considerada “terra dos pagãos”, a Galiléia, “Galiléia dos que não são judeus” (cf Mt 4,15, Is 8,23), “povo da terra” uns “malditos”, como disseram os próprios fariseus no Evangelho de João: “esse povinho que não conhece a Lei, é maldito” (Jo 7,49). Esse andarilho vagava de cidade em cidade, anunciando um Reino, ou que os fariseus desconheciam ou que não queriam entender, tendo como seguidores maltrapilhos, leprosos, pecadores considerados públicos como os cobradores de impostos, prostitutas e pessoas que desconheciam e não seguiam os seus 613 mandamentos.
E esse andarilho, queimado pelo sol, se dizia o “Filho de Deus”, o Messias. A mente dos fariseus estava por demais abotoada e jamais se abriria para qualquer outra novidade que não fosse aquilo que eles entendiam da Lei de Moisés, da qual eles mesmos faziam as interpretações que mais lhes conviessem. Somos diferentes hoje? De repente, aparece no meio dos fariseus, que se julgavam santos, intocáveis e irrepreensíveis, alguém com uma nova visão do que seria a justiça, o amor a Deus e ao próximo... Alguém que não vestia a roupa deles “faixas largas, com trechos da Escritura, na testa e nos braços e põem na roupa longas franjas e que gostavam de lugares de honras nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas. Gostavam de ser cumprimentados nas praças públicas e de serem chamados de mestres” (Mt 23,5b-7) Um andarilho que não participava de seus grupos, de suas panelinhas... Um andarilho que discordava frontalmente de suas atitudes, de suas beatices, de suas imposições, de seus fanatismos, de suas maneiras de interpretar a Lei da maneira que os favorecia. Isso não era para deixar os fariseus raivosos contra Jesus, a ponto de engendrar a sua morte? “... fizeram um plano para matar Jesus” (Mt 12,14); “Logo depois, os fariseus saíram da sinagoga e, junto com alguns do partido de Herodes, faziam um plano para matar Jesus.” (Mc 3,6); “Os chefes dos sacerdotes, os doutores da Lei e os notáveis do povo procuravam um jeito de matá-lo.” (Lc 19,47). O que acontece hoje em dia? Muitos têm a péssima mania de querer colocar Deus numa caixinha com o formato do seu próprio conceito religioso e ignorância. Cada um quer adorar a Deus do seu jeito: cada grupo, cada pastoral, cada movimento.
Uns acham que só eles conhecem e adoram verdadeiramente a Deus e somente adora verdadeiramente a Deus quem caminha com eles, quem é do seu grupo. Outros acreditam que Deus só se manifesta e se move se o culto for cheio de fogo, de vozerio, de palmas e abraços, de palavras inaudíveis e indecifráveis e só está dentro da verdade quem pertencer ao seu grupo; os demais estão caminhando para o lugar errado. Os tradicionais acham que Deus só age através da palavra e que tudo o mais está errado, porque os outros não pensam como eles, e se não pensar como eles, estão no caminho da perdição. E todos fazem os seus próprios mandamentos para que os que pertencem ao seu grupo o sigam, a exemplo dos fariseus que, além dos dez mandamentos de Moisés, impuseram ao povo mais 613 mandamentos de sua própria autoria, e querem, os fariseus de hoje, a exemplo dos fariseus do tempo de Jesus, que todos cumpram os mandamentos por eles criados e, se não os cumprir, estão fora, não pertencem ao grupo, não podem participar de suas reuniões, de suas liturgias e até de suas missas. Os fariseus de hoje, de maneira mais disfarçada, excluem dos seus grupos e ambientes aqueles que, para eles são indesejáveis. Quantos irmãos reclamam que, depois de terem participado por longa data de determinado grupo, pastoral ou movimento, foi só mudar de dirigentes, diretoria, conselhos, foram relegados a segundo plano. Pelo menos, os fariseus do tempo de Jesus eram mais honestos e explícitos: falavam o que sentiam e expressavam o que pensavam.
Os fariseus de hoje apenas ignoram o irmão e o põe à margem da sua crença. Mudou alguma coisa hoje no que se refere ao tempo de Jesus? Ai chega Jesus e diz, ou ele manda alguém repetir o mesmo que dissera para os fariseus do seu tempo: “Os doutores da Lei e os fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Por isso, vocês devem fazer o observar tudo o que eles dizem. Mas não imitem suas ações, pois eles falam e não praticam. Amarram pesados fardos e os colocam no ombro dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo. (Mt 23,2-4), e complementa: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês fecham o Reino do Céu para os homens. Nem vocês entram, nem deixam entrar aqueles que desejam. [...] Guias cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo. [...] Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas. Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheio de ossos de mortos e podridão. Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça.” (Mt 23,13.24.27-28)
Foram exatamente esses que se reuniram em segredo convocando o conselho dos que se julgavam santos para conter Jesus na sua caminhada em busca da justiça e da liberdade dos verdadeiros filhos de Deus: Que é que vamos fazer? Este homem está realizando muitos sinais. Se deixarmos que ele continue assim, todos vão acreditar nele; os romanos virão e destruirão o Templo e toda a nação’. Um deles, chamado Caifás, sumo sacerdote nesse ano, disse: ‘Vocês não sabem nada. Vocês não percebem que é melhor um só homem morrer pelo povo, do que a nação inteira perecer’?” (Jo 11,47b-50). E qual foi o fim de Jesus? E qual é o fim dos que são excluídos dos grupos, pastorais, movimentos e trabalhos da comunidade por orgulho, inveja, prepotência dos que os dirigem senão a marginalidade da religião, como faziam os fariseus do tempo de Jesus?
O que diz Jesus a respeito disso? “Não deixem que os outros chamem vocês líderes, pois um só é o Líder de vocês: o Messias. Pelo contrário, o maior de vocês deve ser aquele que serve a vocês. Quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado”. (Mt 23,10-12)

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